Você vai rir tão alto que vai ter que pausar: a comédia mais inesperada da Netflix em 2025 Divulgação / Netflix

Você vai rir tão alto que vai ter que pausar: a comédia mais inesperada da Netflix em 2025

William Shakespeare (1564-1616) nunca há de morrer. Tem-se tal certeza diante de filmes como “A Família Khumalo”, outra versão de “Romeu e Julieta” (1597), o clássico do Bardo de Stratford-upon-Avon, cada vez mais imperecível num tempo de histórias e sentimentos descartáveis. Dedicada, a sul-africana Jayan Moodley oferece ao espectador uma pequena mostra de como o amor romântico shakespeariano continuará a alimentar histórias para todos os gostos e de todos os gêneros, particularmente num mundo mais e mais ludibriado por falsas necessidades e quereres vis e cindido por ódios tolos, preconceitos abomináveis e a ingênua arrogância daqueles que acham que podem controlar os sentimentos alheios. As roteiristas Gillian Breslin e Wendy Gumede abrem o leque de situações absurdas que cercam duas ex-amigas que voltam a se encontrar num golpe sorrateiro do destino, e arrastam suas famílias para uma verdadeira guerra de nervos, estendida até o momento em que são lançadas a um acerto de contas, tardio, mas oportuno.

Não é exatamente verdadeira a máxima de Tolstói sobre a semelhança fundamental entre as famílias felizes e o signo da exclusividade que rege as famílias pouco afortunadas. Analisando-se a questão com um pouco mais de cautela, conclui-se logo que, também no infortúnio, os microcosmos compostos por pai, mãe e filhos, hoje muito mais amplos, células minúsculas do organismo mastodôntico chamado humanidade e fracassados por razões sobre as quais não é custoso dissertar, têm vários pontos de intersecção uns com os outros.

Os Sitholes, a outra família da história, chegam aonde estão os Khumalos, um condomínio de luxo de Umhlanga, bairro nobre de Durban, na costa leste da África do Sul, e a partir de então, o filme passa ao andamento farsesco que define muitos dos trabalhos de Moodley, diretora do aclamado “Kandasamys: O Bebê” (2023), sobre duas subcelebridades da internet que se tornam avós. Quando vão apresentar-se aos novos vizinhos, liderados por Grace, a esposa de Vusi, os Khumalos deparam-se com um possível novo círculo de afetos e segurança, não fosse por um detalhe nada insignificante.

Grace Khumalo e Bongi Sithole cresceram juntas em KwaMashu, um município paupérrimo nas cercanias de Durban, e o reencontro das duas só não é mais explosivo que a paixão entre Sizwe e Sphe, que acham que estão conseguindo manter seu caso longe do olhar furioso das respectivas mães ao se beijarem apenas em quinas de pilastras e protagonizarem uma disputa pela presidência do diretório acadêmico da faculdade na qual estudam. A diretora interliga essas duas subtramas de modo a compor um panorama o mais vasto possível acerca do peso da tradição em seu país, que experimentou, sim, uma benfazeja oxigenação nos costumes, mas continua a apresentar um ou outro retrocesso — até com o uso da violência.

Moodley não se propõe a dar respostas para a eventual nas relações humanas entre seus compatriotas, fixando-se nas confusões de Grace e Bongi, levadas a termo por Khanyi Mbau e Ayanda Borotho, atentas às várias nuanças de temperamento em suas personagens. Paulatinamente, Jesse Suntele e Khosi Ngema roubam a cena mais de uma vez, mormente nas sequências em que interagem com Mbau e Borotho, que transformam um pastelão num emocionante conto sobre restabelecimento da harmonia entre gente que por um motivo imperioso terminou por se distanciar ainda se amando, tudo com a exuberância das cores e do ritmo da bela África do Sul.

Filme: A Família Khumalo
Diretor: Jayan Moodley
Ano: 2025
Gênero: Comédia/Drama
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★
Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.