Jennifer Garner se junta a Al Pacino em comédia belíssima que vai te fazer economizar R$ 400 — vale por uma sessão de terapia, na Netflix Divulgação / Imagem Filmes

Jennifer Garner se junta a Al Pacino em comédia belíssima que vai te fazer economizar R$ 400 — vale por uma sessão de terapia, na Netflix

Em “Não Olhe Para Trás”, Dan Fogelman não dirige um filme sobre redenção, mas propõe um mergulho no absurdo da fama, na precariedade dos afetos e no tardio despertar da consciência. Ao transformar um bilhete não entregue — uma carta escrita por John Lennon a um jovem cantor — no catalisador de uma crise existencial, o longa subverte expectativas: o que poderia ser apenas mais um conto sobre recomeços se converte em uma reflexão delicada sobre a falência emocional dos que sempre tiveram tudo, menos tempo para os outros.

Inspirado na história real de Steve Tilston, o roteiro toma liberdade poética para recriar não o que de fato ocorreu, mas o que poderia ter sido, caso aquele papel tivesse chegado a seu destino. O personagem de Al Pacino, Danny Collins, é um fantasma de si mesmo: preso à caricatura de um astro que canta sucessos desbotados para plateias ávidas por nostalgia, ele é a epítome do homem que, ao confundir aplauso com amor, terminou surdo aos silêncios mais importantes da vida. A carta perdida, neste contexto, não simboliza apenas uma chance desperdiçada — ela é uma revelação cruel do que nunca se teve coragem de admitir: que, por trás do brilho, havia um deserto.

A performance de Pacino rompe com sua persona clássica. Não há gritos histéricos nem tiradas grandiloquentes — há, em vez disso, um cansaço cultivado, uma ironia que mascara o vazio e uma ternura hesitante que, por momentos, ameaça romper o verniz cínico do personagem. Sua voz, que não convence como a de um cantor folk, torna-se um detalhe irrelevante diante da densidade emocional que ele imprime a cada gesto. Se os trejeitos são exagerados, é porque Danny também é — e o filme não o suaviza para torná-lo palatável. Ao contrário: expõe suas fraquezas, seus egos, sua afetuosa inconsequência, sem cair na tentação de redimi-lo artificialmente.

Ao centro da narrativa está o fio rompido da paternidade, que Danny tenta reconstruir tardiamente com o filho que abandonou. Mas Fogelman evita o sentimentalismo rasteiro ao permitir que o afeto se construa de forma fragmentada, com resistências reais. Bobby Cannavale, como o filho, carrega uma mágoa silenciosa que nunca se dissolve por completo — e isso é fundamental. A reconciliação, aqui, não é um evento, mas uma tensão contínua entre o desejo e o limite. A presença de Jennifer Garner, como a nora grávida, e da neta com TDAH, amplia o campo afetivo do filme sem transformá-lo em fábula domesticada: o caos familiar é tratado com empatia, sem ser edulcorado.

O elenco coadjuvante opera como espelho e contraste para o protagonista. Christopher Plummer oferece um equilíbrio entre sarcasmo e lealdade, funcionando como uma espécie de memória externa de Danny: alguém que o conhece o suficiente para não acreditar em suas promessas, mas que permanece ao seu lado, talvez por hábito, talvez por esperança. Já Annette Bening, como a gerente de hotel Mary, recusa o papel previsível de interesse amoroso e encarna, com altivez e humor, uma figura que desafia Danny a ser mais do que o rastro de si mesmo. O flerte entre eles é conduzido com inteligência: não há paixão fulminante, mas a sugestão de uma intimidade possível entre dois adultos cientes de seus próprios limites.

Fogelman, conhecido por equilibrar drama e leveza em obras como “This Is Us” e “Amor a Toda Prova”, encontra aqui um ponto de maturidade narrativa. A estética do filme não grita, apenas sugere; os planos são limpos, os cortes discretos. Há nudez gratuita e palavrões? Sim, mas eles não camuflam o que realmente importa: a vulnerabilidade de um homem acostumado a fingir que não sente. “Não Olhe Para Trás” se instala nesse território ambíguo onde a comédia e a melancolia se entrelaçam, criando um tom agridoce que jamais força o espectador a rir ou chorar — apenas o convida a observar, reconhecer e talvez se identificar.

O mérito do filme está em negar a lógica da transformação plena. Danny não se reinventa; ele apenas tenta ser um pouco melhor do que já foi, mesmo que falhe repetidas vezes. Não há apoteose, não há redenção heroica — há apenas o esforço humano de reconstruir alguma dignidade em meio aos escombros. E isso, paradoxalmente, é o que torna a narrativa tão comovente. A vida, afinal, raramente oferece redenções espetaculares; mas às vezes concede, àqueles que ainda estão dispostos, a chance de fazer diferente — mesmo que tarde, mesmo que imperfeitamente.

Filme: Não Olhe para Trás
Diretor: Dan Fogelman
Ano: 2015
Gênero: Comédia/Drama
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★