Último dia para ver na Netflix o faroeste alucinante indicado por Tarantino — que ele afirma ter visto mais de 10 vezes Divulgação / Universal Pictures

Último dia para ver na Netflix o faroeste alucinante indicado por Tarantino — que ele afirma ter visto mais de 10 vezes

É como se o western de Roel Reiné tivesse descido ladeira abaixo de propósito — não por falha, mas por convicção. “Inferno no Faroeste” abraça o grotesco com a altivez de quem sabe o terreno que pisa: um Velho Oeste onde pactos demoníacos não são fábulas, mas cláusulas de sobrevivência. Guerrero, esse espectro de anti-herói assombrado por traições internas, não apenas retorna do inferno — ele o carrega consigo. A trajetória do personagem, assassinado por sua própria gangue sob a liderança do meio-irmão, Red Cavanaugh, ganha contornos de farsa trágica quando o próprio diabo, intrigado com o desfecho, decide reescrever as regras do jogo. O pacto se firma, mas o resgate exigido por Guerrero se desenrola entre ambientes tão crivados de simbolismos quanto de pólvora, onde saloons e portões infernais se confundem.

O roteiro, assinado por Brendan Cowles e Shane Kuhn, alterna os dois territórios — o carnal e o infernal — sem nunca se preocupar com sutilezas, mas com ritmo. Tombstone, cidade com nome de epitáfio, funciona como ironia e premonição, sugerindo que não há lugar que não seja já um limbo. As cenas de combate, coreografadas como pequenos rituais de exorcismo, não buscam verossimilhança, mas impacto físico. Nada de efeitos digitais: tudo explode, voa e sangra como se a película se recusasse à assepsia da tecnologia. A condução de Reiné é firme como uma sentença, e sua devoção ao absurdo contagia — até mesmo os céticos da pancadaria estética se pegam envolvidos por esse universo de violência barroca.

O retorno de Guerrero não é apenas sobrenatural: é também uma imersão num conflito estrutural. Filho rejeitado de uma prostituta, mestiço num ambiente que idolatra a pureza branca encarnada por Red, ele não carrega apenas cicatrizes físicas — mas as chagas de uma exclusão histórica. A rivalidade fraterna se expande em alegoria, tocando em temas de pertencimento, rancor ancestral e uma busca por justiça que parece não caber nem na vida nem na morte. Guerrero não quer redenção; quer reparação. Sua fúria é teológica, e sua figura hesita entre o carrasco de si mesmo e o arauto de um juízo particular. Essa ambiguidade é o motor da narrativa — e o combustível da fascinação que ela provoca.

Visualmente, o filme sustenta esse inferno de segunda categoria com uma paleta sóbria, onde o vermelho não brilha, mas queima. O cenário do submundo é econômico, porém incisivo: um forno colossal e uma cadeira de aço em brasa bastam para estabelecer um universo onde tudo arde sem se desfazer. Mickey Rourke, como o carcereiro do além, impõe-se com uma teatralidade fatigada, que encaixa com precisão no grotesco pretendido. Ainda assim, seu brilho é engolido por Danny Trejo e Anthony Michael Hall, que rivalizam em vileza com interpretações que beiram o cartunesco, mas se mantêm coerentes com a proposta de um faroeste desfigurado pela loucura.

Há em “Inferno no Faroeste” uma espécie de reverência ao que o gênero já foi, filtrada por um olhar que não teme a caricatura. Roel Reiné não tenta modernizar o western — ele o corrompe com devoção, numa celebração do excesso e da memória afetiva. O resultado é algo que se equilibra entre o pastiche e a devoção, o delírio e o cálculo. Guerrero talvez nunca consiga realmente matar seus algozes, porque a verdadeira sentença já está gravada nele. Reiné parece saber disso — e é essa consciência que confere ao filme uma identidade própria, errática, mas estranhamente magnetizante. Não se trata de redenção, tampouco de justiça. É apenas uma viagem sem freios por um Oeste que já perdeu qualquer ilusão de salvação.

Filme: Inferno no Faroeste
Diretor: Roel Reiné
Ano: 2013
Gênero: Faroeste/Terror
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★