O mundo é vasto demais, e o universo comporta dois trilhões de galáxias, cada uma com seus cem bilhões de estrelas. Metrópole vibrante e cheia de contrastes, Bangkok, famosa por templos como o Wat Pho e o Wat Arun, é também um entroncamento de shoppings e mercados de rua, além, claro, das feiras noturnas, inferninhos, bares, festas sem hora para acabar. Tradição e modernidade congraçam-se, enchendo os olhos dos moradores e dos turistas, e dentro de toda residência, cada uma a seu modo, as famílias enfrentam as dificuldades que só elas mesmas conhecem.
Filhos crescem e não têm vontade alguma de renunciar a seu quinhão de mundo; pais por sua vez sentem-se perdidos em meio à cornucópia de transformações que interferem na sua própria maneira de levar o que resta-lhes de vida, e esse compasso de uma maneira ou de outra, cedo ou tarde, deságua num caos de proporções inéditas e desafiadoras, cuja solução talvez nunca se revele. O cinema tailandês é pródigo em fazer das esquisitices nossas de cada dia filmes cheios de revelações nada óbvias quanto ao modo tão pouco cortês de que lança mão o existir para afogar-nos no oceano de rancor que nós mesmos criamos, e “Como Ganhar Milhões Antes que a Vovó Morra” é um belo exemplo.
Maneiras autoritárias de se relacionar com os outros, fundadas na satisfação de suas próprias vontades em detrimento das carências e das emoções alheias, são um aspecto do temperamento de boa parte dos indivíduos desde que o mundo é mundo. Quanto mais dura se nos apresenta a vida, mais se pensa ser correto exigir que ela devolva tudo aquilo que se imagina ser um direito inalienável, cada vez mais amplo, mais sem controle e que se se crê válido para qualquer um, em especial para uns poucos felizardos que nascem sob dadas circunstâncias.
O diretor Pat Boonnitipat e o corroteirista Thodsapon Thiptinnakorn acompanham Menju, a octogenária vivida por Usa Semkhum num misto de ranzinzice e doçura, e sua numerosa família, esfacelando-se num torvelinho de pobreza e ilusão. Sew, uma das filhas de Menju, ganha a vida com um dos tantos subempregos que tomam conta de uma cidade indomável, e há algum tempo seu filho, M, abandonara a faculdade para dedicar-se a ser um jogador de videogame profissional, mas acabou se tornando sua maior preocupação. Sarinrat Thomas e Putthipong Assaratanakul dominam boa parte dos 127 minutos, distribuídos também pela relação dos dois e de Menju com outros parentes, cada qual firme em seu propósito de exercitar uma modalidade bem idiossincrásica de amargura e ganância.
Boonnitipat usa todo o primeiro ato para detalhar a índole de seus personagens, em especial a de M, um garoto bem-intencionado, mas confuso, que passa a frequentar mais Chinatown, o bairro onde mora Menju, ao saber pela mãe que a avó tem um câncer terminal no aparelho digestivo, cuja gravidade a própria doente não tem a exata medida. O filme cresce ao explorar essa insólita aproximação entre Menju e o neto, elaborando sem pressa em que condições se alicerça o relacionamento entre a matriarca e seus outros filhos, Kiang e Soei, interpretados por Sanya Kunakurn e Pongsatorn Jongwilas, momento em que inclui subtramas estimulantes acerca de dependência química e negligência parental.
Menju mesma fora alijada do convívio com sua família graças a um casamento infeliz arranjado pelos pais, e quando recorre ao irmão para que este empreste-lhe dinheiro para um tratamento alternativo, é escorraçada do palacete suntuoso onde mora o velho. Sua vingança é parcialmente explicada no título, e a tal fortuna que leva a vida para amealhar fica com ela, oferecida por M. Então, “Como Ganhar Milhões Antes que a Vovó Morra” prova não ser nada do que parece. Felizmente.
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