“Druk — Mais Uma Rodada” é uma reflexão filosófica e existencial que ultrapassa as camadas superficiais da abordagem dos abusos de álcool. Sob a direção de Thomas Vinterberg, o filme se afasta das leituras tradicionais que ou glorificam ou condenam o álcool, conduzindo o espectador por uma jornada de autodescoberta e reflexão. A proposta não é uma simples crítica sobre os efeitos nocivos ou benéficos do consumo de bebidas alcoólicas, mas uma profunda investigação sobre o anseio humano por juventude, vitalidade e propósito em um mundo cada vez mais impessoal e desolado. Desde a citação de Søren Kierkegaard, que abre o filme, o público é instigado a questionar o significado da juventude e do amor, elementos que se entrelaçam como uma busca incessante por um sentido de vida mais vibrante e autêntico. A frase “O que é a juventude? Um sonho. O que é o amor? O conteúdo do sonho” serve como a chave interpretativa do filme, sugerindo que a busca pela juventude e pela vitalidade não se limita a um simples desejo de reviver o passado, mas reflete uma luta interior por significado e renovação.
No centro da trama está Martin, o personagem de Mads Mikkelsen, um professor desiludido que, em meio a uma rotina monótona e distanciada das alegrias da vida, se vê em uma espiral de busca por um novo fôlego existencial. Sua vida, marcada por um casamento frio e uma profissão sem brilho, parece refletir uma desconexão com suas próprias emoções e desejos. Quando ele e seus amigos iniciam uma experiência baseada na teoria de Finn Skårderud — a ideia de que uma leve dose de álcool no sangue pode potencializar a performance humana — eles vislumbram uma possibilidade de libertação. O que começa como um experimento ingênuo se transforma em uma descida vertiginosa para a autodestruição, revelando a fragilidade da condição humana diante da tentativa de recuperar a juventude e a euforia que parecem escapulir com o passar do tempo.
A narrativa se desvia das expectativas clichês, inicialmente tratando o álcool como um meio para revitalizar as emoções e a criatividade, mas logo expondo a tragédia que resulta do uso excessivo dessa substância como uma válvula de escape. Vinterberg não se limita a criticar a dependência, mas explora as motivações profundas que levam os personagens a adotar essa “cura” temporária. O álcool, inicialmente, não é uma solução, mas uma ilusão de vitalidade, uma tentativa de reviver momentos fugazes e de resgatar um sentido de realização que a rotina cotidiana parece roubar. Nesse contexto, a bebida não é apenas uma prática socializada, mas um reflexo das frustrações e vazios que permeiam a vida dos personagens.
O filme, contudo, vai além da crítica social ao comportamento excessivo. Ele oferece uma meditação sobre o que é realmente necessário para viver plenamente. A atuação de Mads Mikkelsen, um dos maiores atores contemporâneos, é o ponto alto da película. Ele se destaca por sua habilidade em transmitir a complexidade de um personagem que, à medida que se perde na busca por sensações extremas, também se reencontra na aceitação de sua fragilidade humana. A construção do personagem é uma das facetas mais impressionantes de “Mais uma Rodada”, pois Mikkelsen consegue transmitir, com sutileza, o desespero, o cansaço e a busca por redenção de Martin.
Além disso, a direção de arte e a cinematografia de Vinterberg complementam a profundidade da narrativa, com cenas intimistas que exploram o vazio existencial de seus personagens e ao mesmo tempo, por meio de uma fotografia vibrante e dinâmica, capturam o desejo deles de escapar da mediocridade da vida cotidiana. A transição entre momentos de leveza e de tensão, do humor para o drama, simboliza o conflito interno dos personagens e a linha tênue entre o controle e a decadência. Cada tomada parece refletir não apenas o momento específico, mas também a evolução interna dos personagens, intensificando o impacto emocional da jornada.
Em um nível mais profundo, “Mais Uma Rodada” convida o espectador a refletir sobre a própria relação com a efemeridade da juventude e a busca incessante por uma vida significativa. O filme é uma crítica à sociedade moderna, onde o consumo de substâncias é muitas vezes visto como uma solução para as ansiedades existenciais, uma válvula de escape para a pressão constante de “viver plenamente”. No entanto, o filme não se limita a esse diagnóstico. Ele também sugere que, enquanto o álcool pode ser uma fuga temporária, é por meio do amor, das relações autênticas e da aceitação das falhas que a verdadeira vitalidade pode ser encontrada. O que redime Martin não é a busca incessante por uma juventude perdida ou uma performance idealizada, mas a capacidade de reconectar-se com o que é verdadeiramente essencial: a humanidade, com suas falhas e vitórias.
“Mais Uma Rodada” traz exatamente esse olhar profundo sobre o que é ser humano em um mundo que constantemente nos desafia a encontrar sentido em meio ao caos. O filme não moraliza, mas cria um espaço para que o espectador se questione sobre sua própria vida, sobre o que significa realmente estar “vivo” e sobre os caminhos que escolhemos para buscar um propósito. O longa nos lembra que a busca por sentido não está em coisas externas, mas no que podemos cultivar dentro de nós mesmos: nos vínculos que criamos, nas falhas que aceitamos e na capacidade de nos reinventarmos.
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