Em “Mulheres do Século 20”, o diretor Mike Mills constrói um retrato melancólico e multifacetado do amadurecimento masculino sob o olhar feminino, ambientado no coração da Califórnia, em 1979. Ainda que o pano de fundo histórico traga ecos reconhecíveis — como o emblemático “Discurso da Crise de Confiança” de Jimmy Carter e a nostalgia de fitas cassete —, é no embate entre gerações e ideologias que a narrativa encontra sua densidade mais expressiva. Dorothea, uma mulher nascida na Grande Depressão, tenta compreender e criar sozinha o filho adolescente, Jamie, cercando-se de figuras femininas de diferentes matizes para ajudá-la na empreitada: Julie, a amiga sexualmente ativa e emocionalmente contida, e Abbie, a inquilina punk que vive à sombra de uma doença grave e de sua própria busca identitária.
A estrutura narrativa de “Mulheres do Século 20” espelha o próprio conflito geracional que tenta decifrar: fragmentada como um diário de colagens, ela alterna imagens da década de 1930, sons do proto-punk e trechos de clássicos como “Casablanca”, criando uma tapeçaria que, embora por vezes desconexa, reforça a sensação de que os personagens falam mais para si do que entre si. Essa cacofonia emocional se manifesta sobretudo entre Dorothea e Jamie — ela, uma mulher livre, mas de outra era; ele, um adolescente em ebulição, ávido por respostas que o mundo adulto parece incapaz de fornecer. A mãe, ao delegar parte de sua responsabilidade materna a outras mulheres, reconhece não a sua fraqueza, mas a complexidade de criar um homem em tempos que não mais lhe pertencem. Como Abbie diz sobre o som cru de The Raincoats: “Eles têm sentimento, mas não têm as ferramentas para expressá-lo. Então tudo sai como paixão”. Essa mesma lógica atravessa Dorothea: ela sente profundamente, mas sua linguagem materna está em ruínas diante da nova ordem.
É nesse ponto de fricção — entre o que se tenta comunicar e o que de fato se entende — que o filme pulsa. Jamie, apesar de ser o eixo da história, funciona mais como um prisma do que como personagem pleno: absorve, reflete, mas raramente brilha por si só. Não por falta de esforço do ator Lucas Jade Zumann, mas porque o roteiro o transforma em uma extensão autobiográfica de seu criador. Assim, embora o longa seja frequentemente descrito como um tributo às mulheres que moldaram o cineasta, essas figuras femininas orbitam Jamie de maneira quase didática, discutindo sua psique, sua sexualidade e sua formação como se ele fosse o projeto coletivo de uma geração que tenta, desesperadamente, compreender os filhos que ajudou a criar. Há uma ironia dolorosa nisso: mesmo quando se pretende feminista, o filme acaba recentralizando o homem, mesmo que sob o pretexto de desconstruí-lo.
Ainda assim, há uma beleza inegável em como o tempo é manipulado no filme. Ao invés de uma progressão linear, a narrativa salta em flashes sutis — avanços temporais, narrações cruzadas e trilhas sonoras evocativas — revelando que tanto Jamie quanto Dorothea estão em jornadas paralelas, buscando aceitação e sentido em um mundo onde as certezas ruíram. Quando o conflito entre os dois se aquieta, o filme encontra sua mais pura forma: um delicado estudo sobre o amor incondicional, feito não de respostas definitivas, mas de gestos tentativos, conversas interrompidas e olhares que dizem muito sem precisar falar.
Annette Bening é o coração pulsante de tudo isso. Sua Dorothea é uma mulher que, à primeira vista, poderia ser caricata — uma mãe excêntrica que convida estranhos para jantar e vai sozinha a clubes de punk rock —, mas que Bening interpreta com uma humanidade rara, revelando aos poucos as rachaduras por trás da fachada. É ela quem dá ao filme sua alma, resistindo ao sentimentalismo barato e escolhendo, em vez disso, uma postura de quieta observação. Ela não compreende completamente a juventude ao seu redor, mas não desiste de tentar. E talvez seja isso, no fim, que define o amor materno: a persistência de quem atravessa o abismo do desconhecido por puro afeto.
“Mulheres do Século 20” pode não agradar a todos — seu ritmo contemplativo, sua estrutura não convencional e a falta de uma catarse narrativa podem afastar espectadores que buscam arcos tradicionais de desenvolvimento. Mas, para aqueles dispostos a mergulhar nesse microcosmo feminino e introspectivo, o filme oferece uma experiência rica e comovente. Não é apenas sobre criar um filho; é sobre criar sentido, vínculos e memória em um tempo que escapa, em um mundo que já não nos pertence inteiramente. E talvez a maior sabedoria do filme resida justamente nisso: no reconhecimento de que, entre perguntas não respondidas e tentativas falhas de conexão, é possível encontrar beleza — uma beleza imperfeita, urgente, quase punk.
★★★★★★★★★★