Na juventude, eu tinha dois temores quando me imaginava um senhor idoso. O primeiro seria não conseguir ou não suportar mais escutar música, principalmente rock. O segundo, e mais tenebroso, era perder minha audição. Hoje, aos sessenta e quatro anos de idade, agradeço todos os dias que nenhum desses temores se tornou realidade. Eu continuo um entusiasta da música, em seus vários gêneros, e meus ouvidos ainda funcionam bem.
Ao pensar em meu relacionamento com a música e lembrar da minha infância na década de 1960, eu chego à conclusão de que tudo começou por amor — e que Freud poderia explicar melhor que eu, pois se trata de amor de mãe.
Minha mãe adorava música e tinha, para minha sorte, o hábito de cantar em casa, além de ser muito afinada. Dona de uma memória extraordinária, seu repertório incluía clássicos do cancioneiro nacional das décadas anteriores e obras de artistas mais atuais — estamos falando da década de 1960 — como Roberto Carlos e Chico Buarque.
Eu sou um filho temporão e, naquela época, com meu irmão e minha irmã ficando na escola praticamente o dia todo e meu pai no trabalho, eu era o único espectador das performances caseiras da minha mãe.
Todas aquelas músicas ficaram guardadas, com um sabor especial de amor de mãe, na minha memória. Hoje, quando escuto alguma canção brasileira antiga que me soa familiar, eu logo digo: “Minha mãe cantava essa música”, e automaticamente eu me sinto melhor.
Por volta dos seis anos, eu escutei três canções que me marcaram de forma indelével e me ajudaram a sedimentar definitivamente o meu amor pela música. Minha mãe me mostrou “O calhambeque”, de Roberto Carlos, e “A banda”, de Chico Buarque, e no rádio, com meu irmão mais velho, eu ouvi “Help!”, dos Beatles.
Há uma outra música dos Beatles que acompanha minha jornada desde o ano de 1967 e estava me provocando a escrever estas memórias desde o dia do meu aniversário de sessenta e quatro anos: “When I’m sixty-four”. Ela integra o álbum “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band”, uma das obras musicais mais importantes e influentes da história do mundo.
Paulinho, aos sete anos, não tinha ainda a capacidade de compreender toda a evolução que aquele álbum representava — e ainda representa. Havia coisas ali muito além da minha compreensão, mas aquela musiquinha de clima bucólico e infantil chamada “When I’m sixty-four” me agradou em cheio.
E essa música foi minha companheira ao longo dos anos, pois sempre me fazia pensar, depois de eu conseguir entender sua letra, como eu seria na terceira idade. Será que ainda estaria vivo? Será que ainda gostaria de música? Será que ainda teria disposição para aprender coisas novas?
Paul McCartney escreveu a maior parte de “When I’m sixty-four” aos quatorze anos, mais de dez anos antes de gravá-la. Sua melodia suave evoca o music hall, música de entretenimento teatral surgida na Inglaterra em meados do século 19. A letra bem-humorada é uma reflexão de um jovem sobre seu futuro junto à sua amada — trata dos temas de envelhecimento e sobrevivência do amor. Paul se lembrou dela no início das preparações para a gravação de “Sgt. Pepper’s”, pois seu pai estava justamente com sessenta e quatro anos àquela altura.
Os Beatles alargaram meu horizonte de apreciação musical, mas minha mãe foi a chave que me abriu o admirável mundo da música. Um mundo cheio de possibilidades. Ela conseguiu plantar uma semente que desabrochou logo em seguida e despertou minha curiosidade para conhecer outros artistas, outros gêneros musicais e até outros tipos de arte, como o cinema, a literatura e as artes visuais.
Quando penso sobre a importância da arte em nossas vidas, eu reflito sobre a minha própria vida e em como a arte — principalmente a música — me ajudou a chegar até aqui com a mente relativamente sã e ainda com muita vontade de viver.