Antes de se tornar lenda, Clint Eastwood fez este faroeste esquecido — uma obra-prima que acaba de chegar ao Prime Video Divulgação / United Artists

Antes de se tornar lenda, Clint Eastwood fez este faroeste esquecido — uma obra-prima que acaba de chegar ao Prime Video

Ao retornar ao território norte-americano em “A Marca da Forca”, Clint Eastwood parece mais deslocado do que nunca, como se a poeira ibérica dos faroestes espaguetes ainda colasse à sua figura. Nos filmes de Sergio Leone, ele percorreu a península Itálica como “O Estranho Sem Nome”, abatendo vilões em paisagens áridas com figurantes pagos a troco de pão e vinho barato. Já na versão hollywoodiana de “A Marca da Forca”, o que se vê é uma tentativa canhestra de resgatar o faroeste clássico, produzindo apenas um simulacro americanizado das imitações italianas. O resultado é um híbrido desajeitado, com estética polida demais para sustentar a crueza do tema que deseja explorar, e ainda dependente da iconografia do justiceiro solitário que Eastwood consagrou em terras estrangeiras.

O enredo de “A Marca da Forca” é tão disperso quanto prepotente em sua concepção moral. Eastwood interpreta mais uma vez o homem marcado pelo passado — dessa vez, literalmente, com as marcas de um linchamento frustrado. Ed Begley, em seu papel habitual de antagonista intempestivo, lidera o grupo de justiceiros improvisados que pendura o herói na corda, apenas para vê-lo escapar com vida e sede de vingança. Pat Hingle, no papel de juiz obcecado por castigo, não só concede a Eastwood um distintivo como também legitima sua cruzada pessoal contra os agressores, como se institucionalizar a vingança fosse suficiente para chamá-la de justiça. É nesse ponto que o filme abandona qualquer nuance e mergulha numa narrativa episódica, entrelaçada por execuções detalhadas e uma moral que mais parodia do que propõe reflexão.

Na tentativa de criar profundidade emocional, o filme resgata a figura já cansada de Inger Stevens, que mais uma vez encarna a mulher da pensão com olhar melancólico e vocação para a enfermagem improvisada. Seja em “Fogo Cruzado” ou “Cinco Cartas na Mesa”, ela repete com precisão milimétrica a fórmula da donzela cuidadora, cujo único papel é ajoelhar-se ao lado do herói ferido. Aqui, nem mesmo o esforço de transformar sua presença em um arco narrativo se concretiza: ela surge e desaparece como se fosse um item de cena, um enfeite romântico sem substância, inserido por convenção mais do que por necessidade dramática. Sua função parece restrita a suavizar, de maneira artificial, a brutalidade crescente que permeia o filme.

A estética, marcada por closes em feridas abertas e sorrisos sádicos — herança direta de Leone —, transforma a violência em espetáculo, sem qualquer pudor ou filtro. A obsessão de Hingle com a punição leva a momentos quase caricatos, como na cena do grande enforcamento, em que o juiz se apresenta mais como um carrasco histérico do que como um agente do direito. Nesse universo distorcido, o ato de punir vira celebração, e o suposto questionamento sobre a pena capital se dilui em cenas longas, saturadas de cordas, ganchos e olhos vidrados, mais interessados em provocar o espectador do que em instigar um debate ético.

Ainda que Eastwood mantenha sua aura magnética, o personagem carece de qualquer aprofundamento real. Sua trajetória se limita a repetir, em solo americano, os mesmos silêncios significativos, os mesmos olhares oblíquos e os mesmos revólveres ligeiros que já se tornaram marcas de fábrica em suas colaborações com Leone. O roteiro não se arrisca a dar-lhe camadas novas, confiando que o rosto endurecido e a postura firme bastem para sustentar o peso da trama. Enquanto isso, Begley exagera a ponto do grotesco em seu desfecho, borrando a linha entre vilania e farsa com um histrionismo que compromete até mesmo a tensão do clímax. “A Marca da Forca”, em sua pretensão de síntese entre o Velho Oeste de Hollywood e o faroeste sujo da Itália, termina por ser um Frankenstein de espingarda e chapéu, onde justiça e espetáculo se confundem até a saturação.

Filme: A Marca da Forca
Diretor: Ted Post
Ano: 1968
Gênero: Drama/Faroeste
Avaliação: 7/10 1 1
★★★★★★★★★★