Você pode achar o título desse texto bem besta. “É porque o filme é bom, caceta!” Sim, o filme é bom. Maravilhoso, na verdade. Mas ser bom não é o suficiente para causar o mesmo encantamento de “Ainda Estou Aqui”. O cinema brasileiro já fez muito filme bom que não deu em nada. E já fez muita bobagem que bombou na bilheteria. Tem algo mais nessa história.
Filmes sobre a ditadura já foram feitos aos montes. Muitos tocaram na mesma ferida, sem atingir o coração de um público que já não estivesse convertido. Mostrar guerrilheiros sendo presos e torturados não iria comover qualquer plateia. A verdade é que ninguém supera um trauma apenas revivendo-o. É necessário ser maior do que o trauma. É assim que ele é superado. E é isso que o filme faz.
“Ainda Estou Aqui” lembra o que deveria ser óbvio, mas não é: quem sofre com uma ditadura não é só quem está na linha de frente. Eunice e seus filhos não eram uma ameaça ao governo. Nem mesmo Rubens Paiva era um inimigo de verdade. Regimes de opressão são assim mesmo: não querem saber quem você é. Prendem porque podem. Mas Eunice e seus filhos resistem, sem deixar de ser quem são.
E o filme faz questão de mostrar que família era aquela. Uma família como a sua e a minha. Gente que quer tomar sua cervejinha, dançar na sala e ir para a praia. Que quer viver e amar. É isso que nos toca. Poderia acontecer com qualquer família, independentemente de haver real envolvimento com oposicionistas do regime.
Não há heróis caricatos no filme. Seria muito fácil (e boboca) fazer um filme com alguém que enfrenta os militares com palavras de ordem. Eunice resiste como qualquer humano. Fica abalada, se irrita com uma filha, pede ajuda a amigos, se destrói e se reconstrói. É doloroso ver o seu olhar perdido enquanto está na prisão. É porque pessoas de verdade são assim: sofrem por dentro, em desespero.
Nem os vilões são caricatos. Os meganhas que vigiam a família de Eunice são educados. Um deles até faz uma brincadeira com o jovem Marcelo Rubens Paiva. O silêncio calmo e opressivo deles ao ocupar a casa, sem dar muitas explicações, é muito mais assustador do que soldados berrando. Se tem uma coisa que os filmes de James Bond nos ensinaram é que vilões de verdade podem ser tranquilos e amistosos (“Aceita um drink, Mr. Bond?”). Mas querem destruir o mundo mesmo assim.
E é com essa humanidade de personagens reais que o filme nos comove. Você se vê na situação. Mesmo abordando uma dor brasileira, ele consegue ser universal. Não é só um filme sobre ditadura. Mas uma história de uma família que “endurece sem perder a ternura”. E é por isso que esse filme nos dá a sensação de que podemos superar esse trauma histórico que tanto nos incomoda (e que alguns imbecis querem reviver). Ele não remói mágoas. Ao contrário, nos dá esperança, orgulho. Nós somos maiores do que o nosso passado. É por isso que ainda estamos aqui.