Neil Young e suas múltiplas faces Foto / Ben Houdijk

Neil Young e suas múltiplas faces

A devoção no rock costuma ser coisa séria. Há algo de enigmático e poderoso na maneira como certos artistas conquistam seguidores fiéis, para além de estilos e gerações. Um exemplo desse fenômeno é a paixão que fãs de punk e heavy metal desenvolveram, no final dos anos 1980, por Neil Young. Um artista canadense cuja trajetória vai do folk acústico, do country a um rock intenso, com guitarras distorcidas e vocais melancólicos. Essa combinação fascinou o grunge do Pearl Jam, os maiores herdeiros do músico. 

Neil Young é um mestre da transição entre opostos: da melancolia bucólica da canção rural à tempestade sonora do rock elétrico. A habilidade em percorrer esses extremos se evidencia na emblemática “Rockin’ in the Free World”, presente no álbum “Freedom” (1989). A canção aparece duas vezes no mesmo disco: a primeira versão, minimalista, é conduzida apenas pelo violão, e a segunda traz uma energia devastadora das guitarras pesadas.

Entre os maiores devotos de Young está o Pearl Jam. Segundo o site Setlist.fm, a banda de Seattle tocou “Rockin’ in the Free World” em 351 shows entre 1990 e 2024, tornando-a 19ª música mais executada em suas apresentações. Em 1995, essa admiração se materializou de forma ainda mais intensa quando os integrantes do Pearl Jam atuaram como banda de apoio no álbum “Mirror Ball” de Neil Young, consolidando uma parceria histórica.

Para quem deseja conhecer ou relembrar a longa carreira de Neil Young, algumas sequências de álbuns oferecem uma visão abrangente de sua evolução musical:

1969 a 1972: Este período marca a ascensão de Neil Young como uma das figuras mais influentes do rock e do folk. Seu álbum de estreia, “Neil Young” (1969), ainda carrega elementos psicodélicos e experimentais, enquanto “Everybody Knows This Is Nowhere” (1969) introduz o som cru e distorcido da banda Crazy Horse. É o início da fase mais elétrica. A obra-prima “After the Gold Rush” (1970) refina a abordagem lírica e musical, ao combinar baladas introspectivas com momentos de rock vibrante. Finalmente, “Harvest” (1972) solidifica seu status de ícone, tendo sucessos como “Heart of Gold” e consolidando um estilo country rock sofisticado e melancólico.

1989 a 1992: É a época que marca o renascimento criativo de Neil Young, que retorna com força ao rock de guitarras pesadas e à parceria com a banda Crazy Horse. “Freedom” (1989) abre caminho com faixas intensas como “Rockin’ in the Free World”, ao trazer crítica social e energia crua. “Ragged Glory” (1990) leva essa sonoridade ao extremo, com longos solos distorcidos e um espírito garageiro que influenciaria o grunge de Seattle (Nirvana, Pearl Jam, Soundgarden). O álbum ao vivo “Weld/Arc” (1991) captura a visceralidade de suas performances, com versões incendiárias de clássicos e canções recentes. Já “Harvest Moon” (1992) surge como um contraponto nostálgico, para revisitar a suavidade acústica e emocional de “Harvest” (1972). O álbum consolida Young como um mestre em transitar entre extremos musicais.

2007 a 2012: Esta fase mostra a incansável criatividade de Neil Young, e explora diferentes abordagens sonoras e temáticas. “Chrome Dreams II” (2007) resgata ideias de um projeto inacabado dos anos 1970, com a mistura de baladas introspectivas e faixas longas e experimentais. “Fork in the Road” (2009) é um álbum conceitual inspirado na crise econômica e na obsessão de Young por carros elétricos, tendo um rock cru e direto. “Le Noise” (2010), produzido por Daniel Lanois, apresenta um som inovador e minimalista, combinando voz e guitarra com efeitos atmosféricos. Já “Psychedelic Pill” (2012) marca um retorno triunfal ao lado do Crazy Horse, com faixas extensas e improvisações intensas que remetem à energia bruta de seus trabalhos mais pesados.

A diversidade de sua discografia carrega uma experiência rica e variada, indo da beleza country das canções “Heart of Gold” (1972) e “Harvest Moon” (1992) aos solos intermináveis de guitarra em “Country Home” (1989) e “Ordinary People” (2007). Esta última, com seus impressionantes 27 minutos de duração, apresenta improvisos que remetem ao jazz e transportam o ouvinte para outra dimensão.

Além de sua carreira solo prolífica, Neil Young também fez parte do lendário Crosby, Stills, Nash & Young, cuja união resultou em um dos álbuns mais marcantes do folk e rock: “4 Way Street” (1971). Este disco ao vivo captura a harmonia perfeita das quatro vozes e sintetiza uma era de experimentação e sofisticação musical. Neil também foi do grupo Buffalo Springfield, que teve em “For What It’s Worth” a sua canção mais conhecida.

A influência do CSN&Y não se limitou ao cenário norte-americano. No Brasil, sua sonoridade e abordagem vocal inspiraram artistas como o grupo Secos e Molhados, que trouxe uma estética inovadora ao rock nacional, e o violeiro Almir Sater, cuja fusão do folk com a música regional brasileira remete à sensibilidade musical do quarteto. Nando Reis é um fã confesso de Neil Young e chegou a montar uma playlist com as canções preferidas (ver vídeo ao final do texto).

A devoção a Neil Young é uma questão de gosto musical e uma conexão profunda com sua autenticidade e capacidade de emocionar. A influência dele atravessa décadas e estilos, moldando gerações de músicos e fãs que se identificam com sua postura artística intransigente.

O impacto pode ser percebido tanto na maneira de tocar e compor quanto na atitude diante da indústria fonográfica, sempre priorizando a expressão genuína sobre as convenções comerciais. Neil Young personifica o espírito de resistência do rock (hoje tecnicamente morto em capacidade de atrair multidões de jovens). Ele prova que a música, quando verdadeira, vai além de rótulos e modismos e permanece relevante ao longo do tempo.