A comédia que vai lavar sua alma e te melhorar por dentro acaba de estrear na Netflix — é impossível sair igual depois de assistir Divulgação / Great American Family

A comédia que vai lavar sua alma e te melhorar por dentro acaba de estrear na Netflix — é impossível sair igual depois de assistir

Não é raro que o mercado do audiovisual abrace temas religiosos quando percebe neles um nicho promissor. Mas há uma diferença entre explorar a espiritualidade como campo legítimo de reflexão estética e reduzi-la a um pretexto para dramatizações previsíveis. O sucesso de “The Chosen”, com sua abordagem desmistificada da figura de Jesus, pavimentou o caminho para uma série de produções que adotam um verniz cristão com promessas de reviravoltas morais e conversões emocionadas. “A Influencer Divina”, dirigido por Shari Rigby, insere-se exatamente nesse vácuo oportuno, onde o discurso de fé se torna mais uma engrenagem dramática a serviço de fórmulas já saturadas.

Há, é claro, um mérito inegável na tentativa de retratar a espiritualidade em meio à superficialidade contemporânea. A protagonista, Liv, é um retrato pungente de nossa era: uma influenciadora digital que transforma sua imagem em mercadoria e sua existência em performance. Interpretada por Lara Silva com certo carisma contido, Liv representa a colisão entre aparência e substância, entre a abundância estética das redes e o deserto emocional que ela camufla. Quando o castelo de cartas desmorona — graças a uma série de eventos tão concentrados que beiram a caricatura —, o filme parece se preparar para uma meditação mais densa sobre identidade, culpa e reconstrução. Mas essa promessa logo se esvai, soterrada por escolhas narrativas que resvalam no didatismo.

A transformação da personagem é orquestrada por Ryan, um ex-colega de escola que agora dirige um abrigo para pessoas em situação de rua. Sua entrada em cena funciona como catalisador da suposta regeneração de Liv, mas a construção dessa relação soa mecânica e previsível. Os diálogos entre eles parecem menos conversas e mais declamações de princípios. Não há conflito real, apenas obstáculos arranjados para reafirmar uma conclusão já anunciada desde o prólogo. Isso compromete o próprio alcance da narrativa: não há espaço para ambiguidade, e qualquer possibilidade de provocar inquietações mais profundas é abortada em nome da lição moral.

O roteiro, assinado por Susannah Eldridge, Suzanne Niles e Claire Yorita Lee, se vale de um artifício comum em dramas cristãos: a sucessão rápida de perdas como via expressa para a redenção. O problema não está na premissa em si, mas na ausência de nuance com que ela é tratada. Não há exploração das zonas cinzentas da fé, da dúvida, do ressentimento ou da contradição — apenas uma escalada de desgraças que funcionam como trampolim para o milagre final. Isso talvez explique por que o filme não consiga se comunicar com quem está fora do circuito já convencido: ao privilegiar a confirmação de certezas sobre a construção de questionamentos, ele se restringe à zona de conforto de sua audiência.

Mesmo o bom entrosamento entre Lara Silva e Jason Burkey, que poderia conferir alguma veracidade à jornada de Liv, é neutralizado por uma direção que teme o silêncio e a sutileza. Tudo precisa ser sublinhado, verbalizado, concluído. A linguagem visual não contribui para ampliar sentidos — apenas acompanha, de forma funcional, o que já foi dito. Ao invés de permitir que a espiritualidade emerja de forma orgânica, o filme opta por ilustrá-la com marcadores explícitos, transformando o invisível em espetáculo.

“A Influencer Divina” não falha por falta de intenção, mas por excesso de controle sobre o próprio discurso. Há uma ansiedade evidente em não deixar margem para interpretação, como se qualquer ambiguidade pudesse colocar em risco a “mensagem”. Mas é justamente na tensão entre fé e dúvida que reside a potência das boas narrativas espirituais. Ao negar esse conflito, o filme opta pela catequese, não pela arte — e, nesse processo, torna-se menos persuasivo do que poderia. Não é a fé que se banaliza, mas o modo como se escolhe vendê-la.

Filme: A Influencer Divina
Diretor: Shari Rigby
Ano: 2023
Gênero: Coming-of-age/Drama/Romance
Avaliação: 7/10 1 1
★★★★★★★★★★