“Ingresso para o Paraíso”, dirigido por Ol Parker, não traz nada de novo à comédia romântica e nem ironiza seus moldes. O que faz, com habilidade, é reavivar esse gênero dentro de um contexto onde afeto, frustração e sarcasmo coexistem em um casamento desfeito, ainda vivo em disputas silenciosas. Julia Roberts e George Clooney, longe de atuarem como caricaturas do passado, operam como embaixadores de uma era em que o charme e o timing ainda sustentam o roteiro.
Ao invés de atuar como veículo para uma reconciliação moral, o filme explora a guerra fria emocional entre dois ex-cônjuges que jamais chegaram a desocupar verdadeiramente o espaço que ocupavam um na vida do outro. Convocados para uma missão quase diplomática — sabotar o casamento relâmpago da filha com um jovem balinês —, eles se encontram num território ambíguo, entre o sarcasmo ferino e a saudade nunca assumida.
Embora pareça, à primeira vista, um passeio solar entre coqueiros e ressentimentos reciclados, “Ingresso para o Paraíso” funciona mais como um jogo de xadrez emocional travado sob o disfarce de comédia leve. Ol Parker, que também assina o roteiro, não está interessado em fazer rir por fazer — cada piada ácida entre David (George Clooney) e Georgia (Julia Roberts) guarda, por trás do riso, um inventário de mágoas que nunca foi formalmente encerrado. O que vemos não é a caricatura de dois pais divorciados tentando sabotar a felicidade da filha, mas sim duas pessoas que ainda se testam, se provocam e, talvez, secretamente se reconheçam.
Julia Roberts domina as cenas com um misto de orgulho e vulnerabilidade que dá textura à sua personagem. Sua Georgia não é uma mãe dominadora nem uma mulher amarga; ela é, acima de tudo, alguém que tenta manter o controle de uma narrativa que já escapou muitas vezes de suas mãos. Clooney, por sua vez, opta por um tom mais contido, quase melancólico, que oferece um contraponto eficiente ao humor mais explícito da parceira. Juntos, demonstram que o timing cômico, quando apoiado em química real, dispensa piadas escancaradas.
A fotografia tropical, com planos amplos da ilha balinesa — na verdade, filmada na Austrália — não é apenas um pano de fundo exótico. Ela funciona como um contraste simbólico: enquanto o ambiente sugere paz e reconexão espiritual, os protagonistas vivem em tensão constante, incapazes de relaxar até mesmo diante de uma paisagem paradisíaca. O paraíso, no caso deles, é um lugar ao qual se chega com bagagem demais.
Já Lily, a filha interpretada por Kaitlyn Dever, é o centro silencioso da trama. Seu gesto impulsivo — casar-se com um jovem local após poucas semanas de convivência — serve como catalisador para que os pais se vejam obrigados a reencenar o colapso da própria relação. No entanto, o roteiro não a transforma em vítima nem em símbolo de juventude ingênua. Ela é, antes de tudo, um espelho: sua escolha romântica expõe as rachaduras e as conveniências do mundo adulto, que, por vezes, se esconde sob o manto da razão.
O filme não tem interesse em criar um clímax explosivo ou resolver os conflitos de maneira drástica. Sua proposta é mais suave — mas não menos eficiente. A transformação que ocorre não é a que os personagens preveem. Ao tentarem impedir o casamento da filha, David e Georgia acabam sendo confrontados com o fracasso do próprio cinismo. No fim, o que está em jogo não é apenas a benção a uma união juvenil, mas a capacidade de reconhecer que algumas perdas não são definitivas — e que a reconciliação, quando não buscada com desespero, pode acontecer com naturalidade.
“Ingresso para o Paraíso” é uma comédia romântica travestida de farsa tropical, que não se contenta com o riso fácil nem com o sentimentalismo óbvio. Em vez disso, propõe um retrato surpreendentemente sóbrio do que significa amar, fracassar e — talvez — tentar de novo. Com um elenco afiado, uma direção segura e uma paisagem que emoldura o desalinho humano, o filme cumpre a promessa de entreter com inteligência, sem jamais subestimar o espectador.
★★★★★★★★★★