A série mais perturbadora da década acaba de ganhar nova temporada na Netflix — com 9 Emmys e 87% de aprovação Divulgação / Netflix

A série mais perturbadora da década acaba de ganhar nova temporada na Netflix — com 9 Emmys e 87% de aprovação

A inteligência artificial surge como um fenômeno mais próximo da distopia que da redenção, afirmação validada sem reservas pelo olhar ácido e provocador de Charlie Brooker, mente por trás de “Black Mirror”, e Ally Pankiw, diretora do episódio inaugural da aguardada sétima temporada. Brooker delineia um cenário em que a voracidade digital evolui implacável, corroendo as bases mais sólidas da individualidade humana. Essa nova narrativa ganha contornos inquietantes no episódio “Pessoas Comuns”, onde as consequências da submissão às maravilhas tecnológicas ultrapassam as meras especulações filosóficas e aterrissam com peso esmagador no cotidiano banal, quase despercebido, das pessoas comuns.

O argumento central de Brooker não se limita ao pessimismo fácil diante das máquinas pensantes; o que ele explora é a progressão implacável de um processo já em curso, onde a humanidade, criadora de suas próprias armadilhas, reduz-se a uma condição subalterna diante das ferramentas criadas por suas mãos. O perigo real, sob esse prisma, não está exclusivamente no avanço tecnológico em si, mas na predisposição crônica do ser humano à autodestruição camuflada de inovação. Brooker reforça essa ideia apresentando uma alegoria ácida de como facilmente, através da promessa aparentemente inocente de melhorar a qualidade de vida, as máquinas infiltram-se em nosso cotidiano com uma sutileza diabólica, substituindo a autonomia e liberdade pessoais pela tirania invisível das corporações.

A narrativa do casal em “Pessoas Comuns” funciona como metáfora exemplar: vidas simples, sonhos modestos e expectativas razoáveis colapsam sob o peso de uma adversidade sanitária. Ao aceitar as condições da misteriosa empresa Rivermind, eles inadvertidamente entregam seus corpos e destinos à lógica perversa do capitalismo de vigilância, tornando-se reféns das engrenagens impessoais da inteligência artificial voltada à maximização do lucro. A personagem central descobre-se prisioneira de um plano que lhe promete sobrevivência em troca da exploração absoluta de sua existência como veículo publicitário. Nessa trama reveladora, a tragédia maior reside na perda voluntária da dignidade pessoal frente às ilusórias promessas tecnológicas.

A crítica contundente que Brooker e Pankiw oferecem dirige-se à ilusão da conveniência digital. Embora tentadora, a ideia de que máquinas possam satisfazer todas as nossas necessidades emocionais e sociais ignora a própria essência da condição humana, suas fragilidades e paradoxos fundamentais. A inteligência artificial pode simular empatia, mas jamais compreendê-la; pode criar narrativas convincentes, mas nunca verdadeiramente senti-las. Nesse abismo entre simulacro e verdade mora o drama ético contemporâneo, sublinhando questões que ultrapassam os limites técnicos e adentram profundamente o terreno existencial e moral da vida humana contemporânea.

Mais do que um alerta, “Pessoas Comuns” evoca uma reflexão desconfortável e urgente. Brooker e Pankiw sugerem, de modo provocador, que a rendição total à inteligência artificial implica inevitavelmente na renúncia da soberania existencial e moral, transformando indivíduos livres em objetos manipuláveis. Essa ideia, tão sombria quanto instigante, sugere que talvez a única resistência possível esteja exatamente na aceitação consciente dos limites da intervenção tecnológica em nossas vidas. Ao invés de sucumbir ao controle invisível das grandes corporações, talvez seja hora de permitir que a imprevisibilidade própria da existência dite nossos rumos — um futuro certamente menos controlado, porém infinitamente mais humano.


Série: Black Mirror — 7ª temporada
Criação: Charlie Brooker
Ano: 2025
Gêneros: Ficção científica/Thriller 
Nota: 8/10