Esqueça a loira explosiva: novo filme de Pamela Anderson é uma carta de despedida e renascimento. Já está no Prime Video Divulgação / Amazon Prime Video

Esqueça a loira explosiva: novo filme de Pamela Anderson é uma carta de despedida e renascimento. Já está no Prime Video

De quando em quando, os semideuses se cansam do Olimpo de onde observam o resto da pedestre humanidade e resolvem dar uma volta aqui embaixo, experimentando os prazeres e as dores dos simples mortais, sofrendo como eles, encontrando aí, talvez, outra natureza de glória. Dizer que Pamela Anderson se desnuda ao longo dos 85 minutos de “A Última Showgirl” pode parecer uma blague um tanto grosseira (além de óbvia), mas é justamente essa a impressão que Anderson, um dos símbolos sexuais mais perenes da história do mundo do espetáculo, uma mulher que viveu do seu corpo, mas que sempre soube deixar claro quem mandava em quem.

Há em Shelly Gardner alguma coisa da eterna C.J. Parker, a salva-vidas que açulava a imaginação de marmanjos de todo o planeta em “S.O.S. Malibu” (1989-2001), a série idealizada por Michael Berk, mormente os de uma América puritana e hipócrita, mas não tudo, e para quem quiser conhecê-la mesmo, recomendo com veemência “Pamela Anderson — Uma História de Amor” (2023), o ótimo documentário de Ryan White. Gia Coppola tira de sua protagonista a aura de transgressão — com que teve lucros e prejuízos no mesmo grau, obrigada a safar-se das investidas de cafajestes poderosos que, rejeitados, empenharam-se diligentemente (e num silêncio covarde) para eclipsar sua ascensão, o que, de fato, acabou acontecendo — e chega à essência de uma artista acossada por um inimigo que ninguém vence. Sinal de que é hora de ir em busca de outros palcos.

Shelly começa “A Última Showgirl” um tanto iludida. Ela dá a entender que pressente o fim do espetáculo que apresenta há três decadas no Le Razzle Dazzle, uma boate fictícia de Las Vegas, mas prefere galvanizar a fantasia tão essencial em seu trabalho e enganar-se e supor que uma reviravolta qualquer há de se crescer no horizonte e ela ainda poderá contar com outros bons dez anos, no mínimo. Ela é um dinossauro, um raro espécime do showbiz forjado por outros modelos de comportamento, do tempo em que moças com casquetes de plumas e pernas de fora eram apenas dançarinas tentando um lugar ao sol na indústria cinematográfica.

Coppola maneja o roteiro de Kate Gersten de modo a preservar essa estranha inocência de Shelly, que age como se fosse a mãe das performers mais novas; duas delas, Jodie e Mary-Anne, respeitam-na como tal — o que não significa que não insurjam-se contra a veterana às vezes, como também fazem os filhos legítimos —, e a exótica família torna-se completa com Annette, que também já teve sua época de esplendor na ribalta, mas agora exibe seu bronzeado à Trump servindo coquetéis de gengibre a senhoras viciadas em jogo como ela.

Quando a bomba estoura, estão as quatro à mesa junto com Eddie, o supervisor técnico do Le Razzle Dazzle interpretado por um cabeludo Dave Bautista, que dá a notícia da interrupção das atividades da casa. Desse ponto em diante, o filme ganha sequências de flashback da carreira de Shelly, o núcleo em torno do qual as personagens de Kiernan Shipka e Brenda Song orbitam. Um dos grandes méritos do texto de Gersten é justamente manter o olhar em Anderson, malgrado o humor cáustico e uma bem-dosada melancolia da Annette de Jamie Lee Curtis roube a cena em muitas ocasiões. 

Coppola recorre a um tanto de artificialismo ao incluir no enredo Hannah, a filha que Shelly entregara à irmã vinte e poucos anos antes, porém Billie Lourd mantém a unidade do que fora apresentado até então e traz boas passagens de melodrama ao leito da narrativa, sempre atenta, repito, ao que sua estrela tem a oferecer, e não é pouco. Hollywood tem uma relação ambivalente com suas vamps, sobretudo as loiras — e a recente indicação de Anderson ao Globo de Ouro de Melhor Atriz em Filme Dramático por Shelly Gardner ter sido sua primeira validação profissional o atesta de maneira irrefutável —; todavia o que Pamela Anderson faz em “A Última Showgirl” é um trabalho que une a artesania de um ótimo personagem a uma história de superação pessoal que a mim me encanta particularmente, e sempre vai encantar. Este é um filme cativante que sabe usar bem seus limões. Salve Pamela Anderson, a última vedete!

Filme: A Última Showgirl
Diretor: Gia Coppola
Ano: 2024
Gênero: Drama
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★
Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.