Produzido por Sean Penn, um dos grandes tesouros recém-saídos do cinema acaba de chegar ao Prime Video, sob demanda. Divulgação / Constantin Film

Produzido por Sean Penn, um dos grandes tesouros recém-saídos do cinema acaba de chegar ao Prime Video, sob demanda.

Não é no campo de batalha, tampouco nas ruas de Munique, que “Setembro 5” encontra sua força narrativa. O filme recusa o espetáculo óbvio da tragédia e decide, em vez disso, fechar as cortinas do mundo exterior para escancarar a tensão interna de uma redação jornalística. O que poderia ser um relato já exaustivamente explorado — o sequestro e assassinato de atletas israelenses nas Olimpíadas de 1972 — se transforma, aqui, numa meditação densa sobre o poder das palavras e o peso de cada escolha editorial. Ao nos confinar com os profissionais da ABC durante as horas mais caóticas da cobertura, o longa nos obriga a experimentar o colapso da objetividade, a fragilidade da ética sob pressão e a claustrofobia de quem precisa narrar o impensável em tempo real.

“Setembro 5” não se interessa em reconstruir o massacre, mas em explorar o lugar de quem o transmitiu. A narrativa se ancora em ambientes fechados, onde telas de tubo e telefones de disco compõem uma espécie de relicário da informação pré-digital — um tempo em que cada segundo levava consigo não só uma notícia, mas uma decisão moral. A mise-en-scène é rigorosa: a câmera nunca busca o sensacional, prefere se debruçar sobre os gestos contidos, os olhares cortantes e os silêncios que gritam. A tensão emerge não do que é mostrado, mas do que se diz — e, sobretudo, do que se escolhe calar. Nesse campo minado entre informar e interferir, o filme pulsa com uma ambiguidade que desafia o espectador a pensar para além da superfície narrativa.

A atuação de John Magaro, especialmente, traduz com precisão essa ambiguidade. Seu personagem carrega no rosto não apenas o cansaço da transmissão contínua, mas a consciência desconfortável de estar — ainda que involuntariamente — moldando os contornos da crise. Em seus gestos há mais do que medo; há culpa. Não a culpa espetacularizada, que exige redenção, mas a silenciosa, que se esconde por entre decisões técnicas e cronogramas de exibição. A direção, ao evitar o sentimentalismo fácil, amplia o impacto: ao invés de tentar comover, nos coloca diante do abismo entre o que se sabe e o que se transmite, entre a verdade factual e a verdade ética.

Mas há uma fissura que o filme parece relutar em escancarar. Em um de seus momentos mais incômodos — e por isso mais reveladores —, o roteiro ensaia um confronto com a responsabilidade da própria imprensa na deterioração da situação. Sabe-se que imagens transmitidas ao vivo colaboraram para que os sequestradores identificassem movimentações policiais. Essa informação histórica é insinuada, mas jamais abordada com a frontalidade que mereceria. O resultado é uma hesitação desconcertante: “Setembro 5” se dispõe a dramatizar o dilema ético, mas não o atravessa por completo. É como se, ao chegar à borda do conflito moral, a narrativa optasse por recuar, protegendo seus protagonistas sob o manto da imparcialidade jornalística. Nesse ponto, o longa deixa de tensionar onde mais precisava.

Essa recusa em ir até o fim compromete parte do potencial analítico da obra. O filme, que até então nos levava com firmeza ao interior de uma engrenagem noticiosa sob estresse, termina por suavizar os danos colaterais dessa engrenagem. Há ali uma quase idealização do ofício jornalístico — não como heroísmo explícito, mas como exibição de integridade sob pressão. Essa escolha, embora compreensível como estratégia dramática, dilui a contundência da crítica que o próprio filme parecia prestes a realizar. Em vez de desnudar a imprensa, acaba por lhe oferecer uma espécie de absolvição velada.

Ainda assim, “Setembro 5” jamais perde o pulso da tensão. A edição precisa, a trilha que jamais compete com a cena e a fotografia que transforma a redação em um bunker emocional mantêm o ritmo em alta rotação. É um thriller de contenção — não no sentido de economia narrativa, mas na construção de uma tensão que cresce de dentro para fora. O mundo explode além das paredes do estúdio, mas o verdadeiro conflito acontece diante das câmeras, nas decisões editoriais que, uma vez tomadas, já não podem ser desfeitas. Se o filme falha ao não aprofundar certas implicações, acerta ao nos deixar presos no mesmo impasse ético de seus personagens: como contar uma tragédia sem se tornar parte dela?

Essa ambiguidade se prolonga até os momentos finais, em que o desfecho histórico já é conhecido, mas a experiência emocional do espectador continua em suspensão. O filme evita qualquer catarse, qualquer tentativa de resolver o dilema que construiu. E talvez aí resida sua honestidade mais radical: reconhecer que há eventos que não se explicam, apenas reverberam. Ao não oferecer redenção nem vilanias fáceis, “Setembro 5” afirma a complexidade do papel da mídia em tempos de horror — não como espectadora privilegiada, mas como participante inevitável de um jogo que raramente permite escolhas limpas.

O que fica, ao fim, não é uma lição, mas uma provocação. Entre a necessidade de informar e o risco de interferir, onde começa a responsabilidade e onde termina a culpa? Em tempos em que a exposição é quase instantânea e o jornalismo é cobrado por agilidade e precisão simultâneas, o filme propõe uma reflexão urgente: o quanto da verdade pode sobreviver quando a urgência domina o tempo e o espetáculo domina a narrativa? E talvez o que “Setembro 5” ofereça de mais valioso não seja a reconstituição de um evento trágico, mas a recusa em tratá-lo como espetáculo. É um lembrete inquietante de que, às vezes, o simples ato de olhar também carrega o peso de participar.

Filme: Setembro 5
Diretor: Tim Fehlbaum
Ano: 2024
Gênero: Drama/História/Thriller
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★