Ao tentar capturar a essência de “Minecraft” em uma narrativa cinematográfica, “Minecraft” embarca em um experimento arriscado: converter um espaço virtual ilimitado em um roteiro fechado, submetendo a lógica expansiva do jogo ao confinamento da estrutura tradicional de uma aventura familiar. A escolha do diretor Jared Hess, conhecido por sua estética de estranhamento proposital em “Napoleon Dynamite”, não é acidental — tampouco isenta de contradições. Em vez de buscar fidelidade ao universo aberto do jogo, o filme aposta em uma estética deliberadamente caricata e em um humor que trafega entre o absurdo calculado e o improviso escrachado. Mas essa aposta em uma linguagem camp não resolve o paradoxo central: como criar envolvimento emocional e densidade narrativa em um universo onde tudo foi concebido para dispensar qualquer linha narrativa?
Essa tensão se revela de forma particularmente intensa no modo como os personagens são construídos — ou melhor, distribuídos. Steve, vivido por Jack Black, poderia ter sido o ponto de ancoragem emocional da narrativa, com sua trajetória de vendedor frustrado a aventureiro visionário funcionando como metáfora da reinvenção adulta através do resgate da imaginação. No entanto, essa linha é fragmentada por um elenco inchado e subtramas que se cruzam sem que se fortaleçam mutuamente. A presença de Garrett, interpretado por Jason Momoa em tom farsesco, simboliza bem esse desequilíbrio: embora seu exagero performático funcione isoladamente como paródia de arquétipos dos anos 1980, ele desvia o foco daquilo que realmente poderia importar — como os conflitos internos dos jovens Henry e Natalie, duas figuras que, ao contrário dos adultos em cena, carregam um potencial dramático autêntico que o filme prefere diluir em sequências decorativas.
Há, no entanto, lampejos de engenhosidade quando o roteiro abandona a tentativa de estruturação convencional e se rende à lógica do improviso visual, refletindo o espírito do próprio jogo. O Overworld, com seus cenários cúbicos, criaturas geométricas e física nonsense, é explorado com um entusiasmo visual que funciona como sátira e homenagem ao mesmo tempo. O filme não busca realismo: ele se deleita em sua artificialidade, como se cada bloco fosse parte de um teatro de papelão feito com zelo artesanal. Esse tratamento visual, aliado a um humor propositalmente datado, ecoa a estética da internet dos anos 2000 — videoclipes toscos, comerciais de refrigerante, virais nonsense — criando um pastiche que, se não convence pela emoção, ao menos diverte por sua autoconsciência. O problema é que o excesso de personagens e situações esvazia essa potência cômica, como se cada nova inserção diluísse o que antes parecia uma escolha estética deliberada.
É difícil ignorar a sensação de que “Minecraft” teve medo de sua própria premissa. O filme começa com uma promessa de caos criativo e termina prisioneiro de fórmulas previsíveis. O orbe mágico, o cristal da salvação, a vilã grotesca que quer dominar mundos — tudo isso poderia ter sido ironizado, ressignificado ou levado ao paroxismo. Mas em vez de subverter os clichês, o roteiro se acomoda neles. Mesmo personagens potencialmente instigantes, como o monge calado ou a vice-diretora espalhafatosa interpretada por Jennifer Coolidge, surgem como anedotas desconectadas, funcionando mais como ruído do que como motor narrativo. A ausência de profundidade emocional não é acidental — é sintoma de uma hesitação em decidir se o filme deveria encantar crianças, agradar nostálgicos ou simplesmente zombar do próprio projeto.
Mas talvez a maior oportunidade desperdiçada esteja justamente naquilo que o jogo oferece e o filme ignora: a possibilidade de construção subjetiva, de experiências únicas e afetivas. Em vez de entregar um enredo moldado pela curiosidade de seus personagens mais jovens, o filme opta por um desfile de gags, como se estivesse o tempo todo pedindo desculpas por ter escolhido “Minecraft” como matéria-prima. E ainda que isso resulte em momentos de comédia involuntária e imagens visualmente excêntricas, o saldo final é de dispersão narrativa. A sensação é de que o longa hesita entre a autoparódia e a tentativa sincera de aventura, sem conseguir sustentar plenamente nenhuma das duas propostas.
“Minecraft” não falha por incoerência estética, mas por não confiar no potencial das histórias que se insinuam em suas margens. Os breves vislumbres de beleza cúbica, os gestos quase afetuosos de Henry, os silêncios cheios de possibilidade de Natalie — tudo isso é atropelado por um frenesi que confunde excesso com dinamismo. O filme poderia ter sido uma ode ao vazio criativo como espaço de invenção, uma narrativa que abraça a ausência de enredo como campo fértil para a emoção, mas se contenta em ser ruído digital. E talvez o maior paradoxo seja esse: ao tentar converter a anarquia do jogo em narrativa, Hess revela que, no fundo, a verdadeira essência de “Minecraft” reside não no que se pode contar, mas no que se escolhe construir — e, nesse caso, a construção ficou pela metade.
★★★★★★★★★★