A série da Max que é tão linda e delicada quanto a mais fina flor de um jardim — impossível não chorar Divulgação / HBO

A série da Max que é tão linda e delicada quanto a mais fina flor de um jardim — impossível não chorar

A felicidade pode ser mais simples do que parece. Na verdade, muitas vezes ela passa despercebida, porque coexiste com um turbilhão de outras emoções — insegurança, luto, tristeza. E é justamente isso que mostra ‘Alguém em Algum Lugar”, série da HBO Max criada por Hannah Bos e Paul Thureen, lançada em 2022. Estrelada por Bridget Everett no papel de Sam, a trama gira em torno da amizade entre ela e Joel (Jeff Hiller), após o retorno de Sam à sua cidade natal no interior do Kansas, em razão da morte da irmã.

Filmes e séries sobre amadurecimento e comédias que exploram os comportamentos humanos costumam oferecer boas reflexões — e essa série é um belo exemplo disso. Sam está emocionalmente devastada. Não apenas porque perdeu sua irmã, que também era sua melhor amiga, mas porque carrega outros lutos mais silenciosos — inclusive, por si mesma. O luto pelas expectativas frustradas, pelo que nunca deu certo, pela pessoa que ela não conseguiu se tornar.

Com cerca de 40 anos, Sam ainda luta com a ideia de maturidade. E talvez cobrar maturidade nessa idade seja um tanto idealista. O mundo está sempre se renovando, e todos nós, sem exceção, somos novatos diante das experiências que surgem. Nem sempre temos o repertório emocional necessário para lidar com elas — e está tudo bem, desde que estejamos dispostos a reconhecer nossos erros e a agir com cuidado para não ferir os outros. Entre tropeços e recomeços, Sam vai tateando o caminho: errando, acertando, resistindo, travando — e, apesar de tudo, seguindo em frente.

Mas há um bálsamo em sua jornada: Joel. Um antigo colega de escola, tímido, gay e cristão, que também carrega o peso de ser quem é dentro de uma comunidade conservadora. Viver sua autenticidade é, para ele, um exercício constante — e, por vezes, doloroso — de amor-próprio. Sua doçura equilibra o amargor de Sam, e juntos, eles parecem se completar. São como uma equação resolvida. O ângulo exato da hipotenusa. Sam, tão autodestrutiva, começa a experimentar o que é ser amada sem reservas por Joel. Esse afeto mútuo não só a fortalece, como devolve esperança aos dois.

A relação entre Sam e Joel é o coração da série. Eles têm uma amizade construída sem pressa, baseada na escuta, no acolhimento e na troca sincera. Eles não tentam “salvar” um ao outro, mas estão presentes, mesmo quando não sabem o que dizer. A série retrata essa cumplicidade com rara delicadeza, sem ceder a melodramas fáceis. Joel, ao amar Sam incondicionalmente, oferece a ela algo que talvez ela jamais tenha experimentado: a sensação de ser vista, compreendida e aceita como é. Essa experiência é transformadora. Não há grandes epifanias, mas há pequenos gestos de cuidado que, somados, vão construindo um novo sentido de pertencimento.

O genial aqui é a forma como retrata personagens reais. Não há corpos idealizados, nem vidas extraordinárias. Sam e Joel são pessoas comuns, com empregos comuns, atravessando os dilemas que a maioria tenta esconder. Vivem em uma cidade pequena, onde todos se conhecem, os julgamentos são frequentes e os segredos não duram muito. A série não idealiza esse cenário, mas também não o demoniza. Ela compreende a complexidade das relações humanas, especialmente em ambientes onde a pressão social pode ser sufocante.

“Alguém em Algum Lugar” não é uma série sobre grandes feitos. É uma narrativa sobre permanecer. Sobre sobreviver ao vazio, encontrar abrigo na amizade, tropeçar na dor e, ainda assim, continuar tentando. A proposta de Bos e Thureen é quase um manifesto silencioso: a vida, em sua essência mais bruta, já é suficientemente dramática — e bela.

A série nos lembra que é possível encontrar beleza e significado mesmo nas circunstâncias mais comuns. A felicidade talvez não seja um estado permanente, nem um destino final. Ela pode ser só um momento: um olhar compreensivo, um abraço inesperado, uma gargalhada durante uma conversa qualquer. Às vezes, é só isso — e isso já é o suficiente.

Filme: Alguém em Algum Lugar
Diretor: Hannah Bos e Paul Thureen
Ano: 2022
Gênero: Comédia/Drama/Romance
Avaliação: 10/10 1 1
★★★★★★★★★★
Fer Kalaoun

Fer Kalaoun é editora na Revista Bula e repórter especializada em jornalismo cultural, audiovisual e político desde 2014. Estudante de História no Instituto Federal de Goiás (IFG), traz uma perspectiva crítica e contextualizada aos seus textos. Já passou por grandes veículos de comunicação de Goiás, incluindo Rádio CBN, Jornal O Popular, Jornal Opção e Rádio Sagres, onde apresentou o quadro Cinemateca Sagres.