No cenário árido e quase mítico de Dungatar — um vilarejo australiano soterrado sob o pó vermelho, cercado por estruturas enferrujadas e almas igualmente corroídas — retorna Myrtle “Tilly” Dunnage, envolta em silhuetas de alta costura que chocam com a rusticidade do ambiente. Exilada desde a infância sob a sombra de um crime mal explicado, Tilly reaparece como uma lâmina recém-afiada: discreta, elegante e implacável. Seu retorno não é mero reencontro com o passado, mas o início de uma intervenção milimetricamente traçada, onde cada gesto e cada costura carregam um propósito. “A Vingança Está na Moda”, adaptação do romance de Rosalie Ham, se desdobra como uma colcha de retalhos inesperada, costurada com fios de tragédia, sátira e redenção — tudo com o caimento preciso de um vestido feito sob medida.
Dirigido por Jocelyn Moorhouse — em seu retorno marcante ao cinema após quase duas décadas —, o filme escapa às categorizações fáceis. Comédia? Drama? Fábula gótica? Reduzir sua complexidade a um rótulo seria empobrecer sua essência. A narrativa avança aos solavancos, como se repassasse tecidos de diferentes texturas e cores, exigindo do espectador mais do que passividade: exige entrega, disposição para o desconforto e para o deslumbramento. Entre o grotesco e o sublime, entre o riso desajeitado e o choro contido, o filme constrói uma experiência estética e emocional que se recusa a seguir moldes pré-fabricados — assim como Tilly se recusa a ser reduzida ao que dizem dela.
Três atuações centrais sustentam e engrandecem esse universo tão excêntrico quanto brutal. Kate Winslet entrega uma Tilly de camadas intrincadas, tão refinada quanto ferida, dominando com fluidez o sotaque australiano e o silêncio eloquente de quem carrega traumas que o tempo não apaga. Judy Davis brilha como Molly Dunnage, a mãe ranzinza e errante, cuja acidez e fragilidade oferecem ao filme um núcleo emocional insubordinado e tragicômico. Hugo Weaving, no papel do sargento Farrat — policial encantado por vestidos e tecidos —, oferece uma performance ousada e delicada, desafiando estereótipos de masculinidade e revelando a beleza que resiste sob camadas de repressão. É um trio que desfila com domínio absoluto pela linha tênue entre a caricatura e a humanidade.
A estranheza é, afinal, o coração pulsante do filme. Dungatar é um microcosmo de hipocrisia e mediocridade, habitado por personagens que oscilam entre o arquetípico e o grotesco: mulheres venenosas, homens ressentidos, moralidades escorregadias. No entanto, é justamente nesse cenário de excessos e distorções que o filme constrói uma alegoria poderosa sobre exclusão, injustiça e reescrita do destino. Cada traje criado por Tilly é mais do que ornamento — é afirmação, subversão, um golpe de costura contra o esquecimento. Ela não apenas veste os corpos; transforma-os em armas simbólicas de resistência contra a opressão social, revelando com delicadeza e fúria o embate entre aparência e essência.
Nesse sentido, “A Vingança Está na Moda” é mais do que uma história de retorno; é uma elegia à reconstrução. As roupas costuradas à máquina Singer — ícone silencioso ao longo da trama — tornam-se metáfora de empoderamento: instrumento de beleza, mas também de desforra. Em vez da vingança servida fria, temos aqui uma vendeta passada a ferro, alinhavada com precisão cirúrgica. A Singer é, simultaneamente, cicatriz e arma, cura e ruptura — e com ela, Tilly reconstrói a si mesma e costura o destino dos que um dia a expulsaram como tecido defeituoso.
No clímax, o espectador não deixa a sala apenas com imagens na retina, mas com sentidos remexidos. O filme é um bordado emocional, meticuloso, repleto de texturas dramáticas e humor ácido, onde a extravagância se alia à dor e a ironia ao sublime. Se à primeira vista a obra parece mirar em um público restrito — talvez feminino, talvez maduro —, logo se percebe que sua força é universal: fala a todos que já foram subestimados, silenciados ou julgados pela aparência. E para aqueles que ousarem atravessar a cortina de veludo dessa narrativa com os olhos abertos e a sensibilidade em alerta, a recompensa será um espetáculo de originalidade feroz e beleza desafiadora.
Porque “A Vingança Está na Moda” ensina que costurar pode ser um ato de amor, mas também de guerra — e que quem despreza o talento de uma mulher ferida esquece que ela pode muito bem ser costureira… ou costureira da sua ruína. No cenário árido e quase mítico de Dungatar — um vilarejo australiano soterrado sob o pó vermelho, cercado por estruturas enferrujadas e almas igualmente corroídas — retorna Myrtle “Tilly” Dunnage, envolta em silhuetas de alta costura que chocam com a rusticidade do ambiente. Exilada desde a infância sob a sombra de um crime mal explicado, Tilly reaparece como uma lâmina recém-afiada: discreta, elegante e implacável. Seu retorno não é mero reencontro com o passado, mas o início de uma intervenção milimetricamente traçada, onde cada gesto e cada costura carregam um propósito. “A Vingança Está na Moda”, adaptação do romance de Rosalie Ham, se desdobra como uma colcha de retalhos inesperada, costurada com fios de tragédia, sátira e redenção — tudo com o caimento preciso de um vestido feito sob medida.
Dirigido por Jocelyn Moorhouse — em seu retorno marcante ao cinema após quase duas décadas —, o filme escapa às categorizações fáceis. Comédia? Drama? Fábula gótica? Reduzir sua complexidade a um rótulo seria empobrecer sua essência. A narrativa avança aos solavancos, como se repassasse tecidos de diferentes texturas e cores, exigindo do espectador mais do que passividade: exige entrega, disposição para o desconforto e para o deslumbramento. Entre o grotesco e o sublime, entre o riso desajeitado e o choro contido, o filme constrói uma experiência estética e emocional que se recusa a seguir moldes pré-fabricados — assim como Tilly se recusa a ser reduzida ao que dizem dela.
Três atuações centrais sustentam e engrandecem esse universo tão excêntrico quanto brutal. Kate Winslet entrega uma Tilly de camadas intrincadas, tão refinada quanto ferida, dominando com fluidez o sotaque australiano e o silêncio eloquente de quem carrega traumas que o tempo não apaga. Judy Davis brilha como Molly Dunnage, a mãe ranzinza e errante, cuja acidez e fragilidade oferecem ao filme um núcleo emocional insubordinado e tragicômico. Hugo Weaving, no papel do sargento Farrat — policial encantado por vestidos e tecidos —, oferece uma performance ousada e delicada, desafiando estereótipos de masculinidade e revelando a beleza que resiste sob camadas de repressão. É um trio que desfila com domínio absoluto pela linha tênue entre a caricatura e a humanidade.
A estranheza é, afinal, o coração pulsante do filme. Dungatar é um microcosmo de hipocrisia e mediocridade, habitado por personagens que oscilam entre o arquetípico e o grotesco: mulheres venenosas, homens ressentidos, moralidades escorregadias. No entanto, é justamente nesse cenário de excessos e distorções que o filme constrói uma alegoria poderosa sobre exclusão, injustiça e reescrita do destino. Cada traje criado por Tilly é mais do que ornamento — é afirmação, subversão, um golpe de costura contra o esquecimento. Ela não apenas veste os corpos; transforma-os em armas simbólicas de resistência contra a opressão social, revelando com delicadeza e fúria o embate entre aparência e essência.
Nesse sentido, “A Vingança Está na Moda” é mais do que uma história de retorno; é uma elegia à reconstrução. As roupas costuradas à máquina Singer — ícone silencioso ao longo da trama — tornam-se metáfora de empoderamento: instrumento de beleza, mas também de desforra. Em vez da vingança servida fria, temos aqui uma vendeta passada a ferro, alinhavada com precisão cirúrgica. A Singer é, simultaneamente, cicatriz e arma, cura e ruptura — e com ela, Tilly reconstrói a si mesma e costura o destino dos que um dia a expulsaram como tecido defeituoso.
No clímax, o espectador não deixa a sala apenas com imagens na retina, mas com sentidos remexidos. O filme é um bordado emocional, meticuloso, repleto de texturas dramáticas e humor ácido, onde a extravagância se alia à dor e a ironia ao sublime. Se à primeira vista a obra parece mirar em um público restrito — talvez feminino, talvez maduro —, logo se percebe que sua força é universal: fala a todos que já foram subestimados, silenciados ou julgados pela aparência. E para aqueles que ousarem atravessar a cortina de veludo dessa narrativa com os olhos abertos e a sensibilidade em alerta, a recompensa será um espetáculo de originalidade feroz e beleza desafiadora.
Porque “A Vingança Está na Moda” ensina que costurar pode ser um ato de amor, mas também de guerra — e que quem despreza o talento de uma mulher ferida esquece que ela pode muito bem ser costureira… ou costureira da sua ruína.
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