“De Repente Nenhum Som”, de Bruno Inácio, oferece doze contos de silêncios e muitos ruídos. O nome do livro veio do poema “Hoje”, de Cazuza: “Encontros rápidos. Caetanos, Robertos. Amigos curtiam. Bares repletos. De repente nenhum som”. Epígrafe ou trilha sonora que muito bem veste as prosas curtas (densas) e nada herméticas de Bruno.
Segundo Carpeaux, “A época presente não pertence, por definição, à história; suas expressões literárias ainda não podem ser objeto da historiografia literária”. Assim, a contemporaneidade firme na obra de Bruno Inácio está repleta do novo, por assim descrever. “Os silêncios ferem tanto quanto as palavras ríspidas”, seja na venda de pamonha de porta em porta, nas belezas e dores na relação entre pai e filho, ficção de “Alô, alô, freguesia”, ou até mesmo em “Céu de ninguém”, onde: “Me vejo assistindo a vida que não é minha. Caída no quintal, forçada a observar um céu que já não me contempla”.
É posto que o não dizer pode ser ensurdecedor, furioso, violento e determinante para que os movimentos internos e psíquicos dos personagens ocorram em frases caladas pelo som: “Ando cansada de tudo isso que me dói”. Um quase grito que fica preso na garganta duvidosa em dizer ou calar-se por todos aqueles longos segundos (minutos-anos): “Ainda assim, os aplausos ganham a sala enquanto a solução foge apressada”.

“De Repente Nenhum Som” é curto. Rápido. E diz muito. A capacidade do autor em produzir semântica, significantes (imagens) e levar o leitor para dentro das ações, em cheiros, cores e sensações oferecidas feito visitação; a gente pode puxar a cadeira para perto de Pedro e ajudá-lo nas cruzadas, ou ainda admirar Portinari na solidão de Ribeiro: “Lá fora é perigoso, tem tiro e golpe e sujeira e mentira e doença”. Será mesmo? O vácuo reverbera: “Há nesse desejo pelo silêncio uma agressividade que não consigo enxergar. Uma violência-tabu. Intocável. Inquestionável”.
Existe beleza inerente no pó dos móveis dos contos. Gestos não produzidos. Em tudo aquilo que não aconteceu. Palavras essas que lemos de boca fechada, mesmo que a vontade seja a do berro, da turva emoção e vontade de mudar os destinos das pessoas que criamos intimidade. Inquietude essa que só é sentida por quem nos importamos. A ausência de atitudes é tão agitada e ansiosa quanto a execução performática da vida cotidiana. Chegar ao fim do livro é uma sala vazia decorada por coroa de flores: “Tem tudo aquilo que só cabe no silêncio. E tem essa tentativa de me esvaziar”. Mas, Hebe Uhart, contista argentina, já nos alertou: “Não pense que posso sair por aí dizendo o que lhe conto. Como voltar?”.
Longe de ser um livro de memórias, mas existe um limite para elas? Se na poesia de Wally Salomão, onde a “memória é uma ilha de edição”, Bruno Inácio percorre com as profundidades que cabem, muitas vezes, em novos discos e amigos. Então, “O impacto vem como punição. O barulho chega antes da dor”. Contudo, há muito mais barulho do que um leitor desavisado possa imaginar. As lembranças inconscientes passam pelos passos em direção à deriva. Desligar a música, a máquina de lavar, fechar portas e janelas. Por fim, limitar sons externos nos dá uma capacidade enorme de passear dentro de nós mesmos. A solidão para si nunca foi tão requisitada na contemporaneidade. E não é egoísmo.