Não é trivial que Clint Eastwood, eterno arquétipo da virilidade lacônica, tenha escolhido como projeto pessoal a adaptação de “As Pontes de Madison”, livro que, à época de seu lançamento, foi rotulado por muitos como uma fantasia romântica empacotada para consumo rápido. A surpresa não se deve apenas ao contraste entre o estoicismo do diretor e o sentimentalismo da obra original, mas ao fato de que, em vez de tentar disfarçar esse abismo, Eastwood decidiu escancará-lo — e, ao fazê-lo, abriu espaço para um estudo fílmico sobre o que permanece em silêncio quando tudo o que se sente não pode ser dito. O resultado é uma narrativa que resiste à pressa, mergulha nos desvios do tempo e transforma o gesto contido em linguagem emocional.
Richard LaGravenese, responsável por converter o romance de Robert James Waller em roteiro, realiza uma espécie de destilação dramática. O que era inflado no papel — frases autoindulgentes, pensamentos empolados, declarações excessivas — ganha uma contenção quase litúrgica na tela. O roteirista entendeu que o perigo não residia nos diálogos, mas nos devaneios ininterruptos dos personagens, e por isso suprimiu o que o cinema não precisa dizer. Esse gesto, aparentemente simples, redefine o tom do filme: ao deixar as palavras rarefeitas, dá protagonismo ao olhar, ao corpo, à hesitação. “As Pontes de Madison” não pretende convencer pela eloquência, mas pela atmosfera — e nesse sentido, é cinema em estado puro.
É nessa atmosfera que Meryl Streep constrói uma Francesca que nunca existiu no livro. A personagem, confinada à rotina agrícola de uma Iowa abafada por suas próprias limitações culturais, carrega no corpo o acúmulo de desejos não vividos. Sua atuação evita a vitimização melodramática; Francesca não chora o que perdeu, apenas respira com mais dificuldade o que poderia ter sido. Streep, com domínio absoluto de ritmo interno, traduz a personagem por meio de detalhes: o tempo que demora para responder, o gesto interrompido, a voz que hesita antes de firmar. Se o filme sobrevive a seus próprios excessos narrativos, é porque sua performance se ergue como força centrípeta, capaz de sustentar até os trechos mais frágeis — como a moldura narrativa que insere os filhos adultos da protagonista em uma trama paralela mal desenvolvida, cujos diálogos vacilam entre o banal e o didático.
Eastwood, por outro lado, escolhe interpretar Robert Kincaid de modo frontalmente oposto à hipérbole do texto original. O homem descrito no livro como uma entidade quase mitológica — meio espírito, meio cowboy iluminado — é aqui domesticado pela atuação enxuta do ator-diretor. Ainda que o personagem continue a flertar com a implausibilidade — um fotógrafo errante de meia-idade que cita Yeats e fala como se estivesse sempre à beira de uma epifania —, sua representação ganha um verniz de autenticidade pela contenção com que é interpretado. Kincaid torna-se mais verossímil não porque é realista, mas porque se dobra à gramática da encenação contida. E, embora a química com Streep não se manifeste por combustão, ela se constrói pelo contraste: ela racional e vulnerável, ele intuitivo e sereno — como dois personagens que, vindos de hemisférios opostos, se encontram por um instante numa geografia comum.
Ainda assim, o filme não escapa incólume de seus próprios arroubos formais. Em diversos momentos, a lentidão cuidadosamente orquestrada dá lugar a um ritmo estagnado. Sequências como a dança na cozinha ou o banho sob a luz amarelada se arrastam para além do necessário, esvaziando a potência emocional que deveriam intensificar. Há também o uso questionável de narrações em off, que por vezes subestimam a inteligência visual do espectador ao verbalizar o que já está dito em imagem. São momentos que interrompem o fluxo poético construído com tanto cuidado e nos lembram que “As Pontes de Madison” é, afinal, uma adaptação — e, como tal, carrega o peso de um material que precisa ser constantemente contornado.
Contudo, o que persiste, o que verdadeiramente confere longevidade ao filme, é sua recusa em simplificar. Ao narrar um encontro amoroso de quatro dias entre duas pessoas maduras, a história abandona o ideal do amor como clímax e o reposiciona como interrogação. “As Pontes de Madison” não celebra o romance vivido, mas o amor que se escolhe não viver. E ao eleger esse não-acontecimento como centro dramático, o filme inaugura uma reflexão rara: e se o amor mais transformador for justamente aquele que exige a renúncia? O semáforo vermelho, o carro parado atrás da caminhonete, a mão que quase toca a maçaneta — esses são os verdadeiros pontos de inflexão. Não há necessidade de gritar sentimentos que se revelam com a força de uma suspensão. E talvez seja essa a mais elegante forma de afirmação: recusar o espetáculo e confiar no silêncio como o espaço mais sincero da intimidade.
★★★★★★★★★★