Thriller de ficção científica que vai fazer cada fio de cabelo do seu corpo arrepiar, na Netflix Divulgação / Screen Gems

Thriller de ficção científica que vai fazer cada fio de cabelo do seu corpo arrepiar, na Netflix

Há algo profundamente perturbador na inversão de uma promessa. Quando um símbolo de salvação se transmuta em ameaça, não apenas um mito é corrompido — uma expectativa coletiva é implodida. “Brightburn: Filho das Trevas” não busca suavizar esse processo; pelo contrário, mergulha nele com crueldade meticulosa. Em um ambiente saturado por narrativas heroicas previsíveis, o filme impõe uma ruptura: e se aquele que deveria nos proteger fosse, na verdade, a encarnação do terror? Mais que uma paródia sombria do Superman, a história de Brandon Breyer é uma negação agressiva do conforto mitológico que a cultura pop insistiu em nos oferecer.

A força da narrativa não está em explicar, mas em permitir o colapso da esperança como um evento inevitável. O roteiro se recusa a investir em justificativas psicológicas ou eventos traumáticos que pudessem humanizar o protagonista. Esse vazio de motivação — esse mal que não decorre de um erro, mas de uma natureza intrinsecamente estranha — torna tudo mais angustiante. Brandon não é um garoto incompreendido. Ele é uma entidade indecifrável, revestida da aparência da inocência humana apenas para amplificar o impacto de sua desumanidade. O que o filme sugere, de forma incômoda, é que o mal pode nascer sem explicação, sem origem nobre corrompida, sem lógica alguma — e, por isso, talvez seja o mal mais puro de todos.

Ao renunciar ao arco clássico do herói ou mesmo do anti-herói, “Brightburn” desconstrói não apenas um personagem, mas o próprio alicerce moral que sustenta o gênero de super-heróis. Não há aqui dilemas éticos, lições de responsabilidade ou redenção possível. A curva de Brandon não é uma descida ao abismo — é uma revelação de que ele já nasceu no fundo dele. E o mais assustador: ninguém o empurrou. O casal que o adota, vivido com intensidade emocional por Elizabeth Banks e David Denman, representa a última âncora da humanidade tentando negar o naufrágio iminente. Eles não são ingênuos — são desesperadamente humanos, presos ao desejo de que o amor seja suficiente para conter o incontrolável. Mas o filme é impiedoso: nem o afeto mais devotado é capaz de deter o que nunca foi humano para começar.

A estética do filme corrobora essa visão sem concessões. As cenas de violência não são estilizadas, mas brutais em sua frieza. Há um desconforto particular na forma como a câmera insiste no realismo do grotesco, como se quisesse lembrar que não há catarse possível — apenas choque. A direção de David Yarovesky opera com precisão nesse equilíbrio entre o terror físico e o psicológico, enquanto a produção de James Gunn acentua a atmosfera de paranoia crescente. O horror aqui não é apenas o que se vê, mas o que se conclui: a constatação de que o mal pode ser absoluto, e que nossos modelos narrativos são frágeis demais para contê-lo.

É notável, também, a escolha de jamais oferecer ao espectador uma válvula de escape. Não há um personagem salvador, um plano mirabolante, um sacrifício redentor. A progressão do enredo não conduz a um clímax moral — conduz a um colapso inevitável. E talvez seja aí que o filme atinja sua potência mais incômoda: ao se recusar a propor esperança. O olhar final de Tori, dilacerada entre o instinto materno e o reconhecimento do que criou, é mais devastador do que qualquer cena de destruição. É a expressão de um mundo que não está sendo invadido por forças externas, mas corroído desde dentro por algo que já estava aqui, sob o nosso teto, deitado em nossos braços.

Mesmo aqueles que questionam a previsibilidade de certos sustos ou a ausência de uma construção mais complexa do universo narrativo talvez estejam buscando no filme aquilo que ele deliberadamente nega: estrutura, sentido, alívio. “Brightburn” não deseja ser uma franquia nem um manifesto. Ele é, antes de tudo, um gesto de negação — à esperança, ao mito, à ordem narrativa. E nesse gesto há uma coragem rara: a de abandonar o espectador não com uma resposta, mas com um vazio cuidadosamente cultivado.

O filme não apenas questiona o arquétipo do herói; ele interroga nossa necessidade de acreditar nele. Porque se olharmos com atenção suficiente, talvez percebamos que o céu — aquele mesmo céu para onde nossos heróis costumam voar — pode esconder mais do que salvadores. Pode ser também a origem de nossa ruína. E quando o mal desce das estrelas com a face de uma criança, talvez o mais honesto a fazer seja parar de esperar por milagres e começar a temer o que ainda não compreendemos.

Filme: Brightburn: Filho das Trevas
Diretor: David Yarovesky
Ano: 2019
Gênero: Drama/Ficção Científica/Mistério/Terror
Avaliação: 7/10 1 1
★★★★★★★★★★