Há 43 semanas no Top 10, o romance favorito de 2024 segue imbatível em 2025 como o mais amado do Prime Video Divulgação / Amazon Prime Video

Há 43 semanas no Top 10, o romance favorito de 2024 segue imbatível em 2025 como o mais amado do Prime Video

A ideia de um romance entre uma mulher de quarenta anos e um astro pop de vinte e poucos não causa desconforto por seus personagens ou pela história em si, mas pela maneira como expõe a arquitetura moral de uma sociedade que ainda se apressa em validar o desejo feminino apenas quando ele segue uma cartilha invisível. “Uma Ideia de Você”, embora seja vendido como uma narrativa de amor improvável entre Solène e Hayes, na verdade tensiona muito mais do que a diferença de idade entre seus protagonistas. A trama funciona como uma lente ampliadora que ilumina os mecanismos de vigilância e julgamento impostos ao corpo, ao afeto e à autonomia da mulher madura. Sob o verniz de uma comédia romântica, o filme nos desafia a observar como até mesmo os gestos mais íntimos são submetidos a uma dramaturgia social cruel, que separa o aceitável do escandaloso com base em normas tácitas e inconsistentes.

O encontro entre os dois personagens, que se dá nos bastidores de um festival de música, não tem nada de mágico — e é exatamente por isso que funciona como ponto de partida para algo mais inquietante. Não se trata de uma coincidência encantada ou de um artifício narrativo para justificar o desejo, mas de uma colisão entre duas solidões diferentes, ambas esculpidas pelo excesso: a de Solène, corroída pela culpa de um divórcio e o peso de uma maternidade vigiada; e a de Hayes, moldada pela fama precoce e pela dissolução do eu em meio a um culto incessante à imagem. A atração entre os dois não nasce do contraste entre juventude e maturidade, mas de um reconhecimento silencioso de suas fraturas. Ainda assim, o julgamento começa antes mesmo que qualquer beijo aconteça — primeiro, no espanto dos espectadores; depois, nas reações das personagens secundárias, e, por fim, na própria hesitação de Solène em legitimar seus sentimentos.

Há uma delicadeza incômoda na maneira como a relação se constrói, como se os roteiristas, conscientes da fragilidade do enredo frente às expectativas do público, hesitassem em permitir que o amor se afirmasse sem ressalvas. O que vemos, então, é um desfile de desculpas disfarçadas: o charme de Hayes é atenuado por sua doçura quase pueril; sua idade é “ajustada” para que a diferença com Solène pareça menos perturbadora; os momentos íntimos entre eles são frequentemente cortados por piadas, trilhas sonoras ou cortes rápidos. Essa operação narrativa — diluir o erotismo, suavizar o conflito, estetizar a polêmica — denuncia mais sobre a sensibilidade coletiva do que sobre as escolhas do filme em si. É como se o roteiro estivesse sempre pedindo desculpas por incomodar, mesmo enquanto tenta explorar as rachaduras que nos desconcertam.

No entanto, é justamente nessa oscilação entre concessão e provocação que o longa ganha fôlego. Quando abandona a tentativa de agradar, ele permite que Solène seja, ao menos por instantes, alguém que recusa o papel social de mãe devotada e empresária discreta, para afirmar sua condição de mulher desejante. Hathaway, em uma interpretação sutilmente poderosa, capta essa contradição com nuances que dispensam didatismos. Sua Solène não é heroica nem exemplar: ela é hesitante, vulnerável, às vezes egoísta — mas absolutamente real. Do outro lado, Galitzine dá a Hayes uma sensibilidade que escapa aos clichês do “boy bander”: sua fragilidade não é mero charme, mas uma forma de exposição emocional que contrasta com a imagem pública que carrega. A relação entre eles não é construída para servir como modelo, mas para perturbar o senso comum — e, talvez por isso, incomode tanto.

A crítica ao duplo padrão de julgamento, sobretudo no que diz respeito a relações com diferença de idade, atravessa o enredo sem nunca se tornar panfletária. Solène é tratada com desconfiança, ironia e até desdém — não por se envolver com um homem mais novo, mas por ousar ser feliz à margem da cartilha de comportamentos toleráveis para mulheres da sua idade. Enquanto isso, a trajetória de Hayes é marcada por concessões: sua juventude o inocenta, sua beleza o redime, sua fama o protege. O que está em jogo não é apenas um romance fora dos padrões, mas a forma como esse romance ameaça as estruturas simbólicas que sustentam o controle dos afetos. A narrativa, portanto, não busca naturalizar esse tipo de relação, mas questionar por que, em pleno século 21, ela ainda precisa ser justificada, defendida ou escondida.

O salto temporal que encerra a história — com ambos os personagens cinco anos mais velhos — não serve como epílogo romântico, mas como teste de percepção. O que mudou, afinal? Pouco, além do desgaste do tempo. Mas isso basta para que a diferença de idade deixe de ser um escândalo e passe a ser um dado irrelevante. O que denuncia, com ironia, o quanto nossas reações a certas histórias estão menos ligadas aos fatos e mais aos arquétipos que carregamos sobre o que é aceitável amar. “Uma Ideia de Você” não responde a esse impasse, tampouco tenta resolvê-lo. Sua força está justamente em expô-lo com doçura e contradição, recusando o conforto das respostas fáceis. E talvez seja essa recusa que o torna tão urgente: em um mundo obcecado por narrativas que confirmam certezas, há algo de profundamente libertador em uma história que apenas nos convida a encarar o desconforto — e decidir o que fazer com ele.

Filme: Uma Ideia de Você
Diretor: Michael Showalter
Ano: 2024
Gênero: Comédia/Drama/Romance
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★