Jenna Ortega estrela filme ousado no Prime Video — o romance proibido que gerou debate na internet Zac Popik / Lionsgate

Jenna Ortega estrela filme ousado no Prime Video — o romance proibido que gerou debate na internet

Há filmes que provocam não por aquilo que mostram, mas pelo silêncio que insinuam. “A Garota de Miller”, de Jade Halley Bartlett, é um desses raros casos em que o verdadeiro impacto da narrativa está nas margens daquilo que é dito — ou, mais precisamente, na maneira como se escolhe dizer. Distante de qualquer leitura simplista sobre envolvimentos impróprios entre aluna e professor, o longa mergulha num território muito mais complexo: a gramática da manipulação afetiva, as simetrias imperfeitas do desejo e a desconcertante sofisticação do controle disfarçado de vulnerabilidade.

Jonathan Miller (Martin Freeman) não é apresentado como vilão ou mártir. É um homem fraturado, atravessado por dúvidas, mediocridades e fantasmas domésticos, cuja carência de reconhecimento intelectual o torna presa fácil para o magnetismo dissimulado de Cairo Sweet (Jenna Ortega). Desde os primeiros diálogos entre os dois, percebe-se que nada ali se trata apenas de uma troca didática: há entrelinhas carregadas, pausas estratégicas, uma sintaxe emocional que se constrói pela tensão não verbal. Bartlett não está interessada em moralizar; seu foco é outro — desvelar os mecanismos pelos quais duas inteligências afiadas se testam, se refletem e se destroem.

Cairo não é apenas uma estudante provocativa. Ela é um enigma arquitetado com precisão, que desafia qualquer tentativa de categorização. Sua persona alterna, em segundos, entre a adolescente entediada, a escritora precoce, a antagonista calculista. Sua escrita — explicitamente sexual, refinadamente irônica — não busca escandalizar, mas sim expor uma teatralidade que opera em vários níveis: ela cria personagens para si mesma, distorce o tempo narrativo das relações, e transforma a sala de aula num palco de estratégias retóricas. A cada nova interação com Miller, o jogo muda de tom, e a assimetria entre eles não é de poder, mas de lucidez. Ela sabe exatamente até onde ir, quanto insinuar, quando recuar. Ele, por outro lado, ainda acredita na ficção do autocontrole.

O erro de Miller é estrutural: não está em desejar, mas em subestimar. Subestimar o intelecto de sua aluna, a crueldade de sua esposa (Dagmara Dominczyk), e, principalmente, sua própria fragilidade emocional. Ao se ver desejado — ou, ao menos, intelectualmente admirado — por alguém tão jovem e arguta, ele não interpreta esse gesto como um alerta, mas como uma validação. O que ele confunde com amor é, na verdade, sede de significância. E essa confusão, mais do que qualquer transgressão moral, é o que o arrasta para o abismo. Cairo não busca afeto; ela testa fronteiras. E o fracasso de Miller é não entender que ele jamais foi o agente da narrativa — sempre foi o personagem que ela decidiu escrever.

É nesse ponto que o roteiro revela sua maior crueldade: ninguém está isento de culpa, mas tampouco há culpados evidentes. A esposa de Miller, figura que poderia facilmente ser tratada como vítima ou apêndice narrativo, ganha camadas de complexidade sombria. Seus silêncios são pesados, suas frases carregadas de desprezo contido. O casamento entre os dois é uma negociação amarga, sustentada por um pacto de exaustão mútua. A chegada de Cairo, nesse contexto, não rompe o equilíbrio — apenas revela sua decomposição.

O filme trabalha com uma estética quase onírica, mas jamais condescendente. Há uma atmosfera de fábula trágica atravessando a trama, onde a névoa, a penumbra e os enquadramentos cuidadosamente simétricos funcionam como extensões do estado psicológico dos personagens. Embora em alguns momentos os recursos visuais resvalem no artifício — como nas cenas em que Cairo aparece envolta por uma bruma simbólica demais —, essa estilização não compromete o impacto. Ao contrário: ela reforça a sensação de que o que está em jogo ali não é apenas uma história realista, mas uma alegoria sobre as formas como somos enredados por discursos — os nossos e os dos outros.

A trilha sonora, discreta e pontual, atua como um sismógrafo emocional. Ela não dita sentimentos, mas acentua rachaduras. Não há melodias que dramatizam o óbvio, e sim ruídos que escavam o não-dito. Da mesma forma, os silêncios são empregados com precisão cirúrgica, criando uma coreografia entre tensão e hesitação que transforma até mesmo diálogos banais em campos minados.

O final, deliberadamente inconcluso, se recusa a oferecer qualquer espécie de veredicto. E essa recusa não é um truque narrativo, mas uma provocação ética. Bartlett não fecha as portas da interpretação — ela as escancara. Cada espectador é convocado a se posicionar diante do que viu, não com base em regras morais pré-estabelecidas, mas a partir de sua própria relação com os temas expostos. É um desfecho que espelha: devolve ao público a responsabilidade de construir sentido. E nesse gesto, o filme extrapola a condição de mero relato — torna-se um ensaio dramatizado sobre linguagem, desejo e a fragilidade do julgamento.

“A Garota de Miller” é, no fim, sobre como as ficções nos mantêm de pé. A ilusão de controle, a fantasia da reciprocidade emocional, a crença de que a inteligência nos protege da vulnerabilidade. Bartlett desmonta essas ficções com a precisão de uma escritora que conhece bem as armadilhas da linguagem — e, mais do que isso, com a coragem de não indicar saídas. O que sobra é um desconforto que permanece depois da última cena, um incômodo que não busca resposta, mas reverberação. Poucos filmes têm essa ousadia. Menos ainda conseguem fazê-lo com tanta sofisticação.

Filme: A Garota de Miller
Diretor: Jade Halley Bartlett
Ano: 2024
Gênero: Comédia/Drama/Thriller
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★