Mais uma parceria genial entre Ben Affleck e Matt Damon, com Viola Davis, que passou despercebida no Prime Video Air A História por trás do Logo

Mais uma parceria genial entre Ben Affleck e Matt Damon, com Viola Davis, que passou despercebida no Prime Video

É curioso como algumas narrativas, a despeito de parecerem previsíveis ou burocráticas à primeira vista, acabam desafiando a própria ideia do que seria “cinema atraente”. “Air”, dirigido por Ben Affleck, não tem como ponto de partida uma epopéia heróica nem um escândalo retumbante. O que impulsiona sua história é uma decisão comercial — a aposta da Nike, então um nome secundário no mercado de tênis esportivo, em um novato promissor chamado Michael Jordan. Nada mais distante do espetáculo típico que se espera da sétima arte. E, no entanto, é justamente nesse terreno aparentemente árido que o filme encontra vitalidade. A cada cena, revela-se menos interessado no glamour de vitórias do que na tensão que antecede a aposta — aquele momento indefinido em que tudo ainda pode dar errado.

A engrenagem dramática do filme se move a partir de Sonny Vaccaro (Matt Damon), um executivo com faro incomum e um pragmatismo que flerta com a obsessão. O que poderia facilmente escorregar para o território das fábulas corporativas ou das narrativas de superação com verniz publicitário encontra, aqui, um caminho mais denso. A jornada de Sonny não é revestida de heroísmo artificial, tampouco depende de discursos inspiradores prontos para molduras de rede social. O que está em jogo é a urgência de um homem que enxerga, no talento bruto de um jovem, a possibilidade não apenas de salvar sua empresa, mas de reverter a própria irrelevância. Ao expor as hesitações internas, os jogos de influência e o peso da responsabilidade pessoal, o roteiro constrói uma tensão que não depende de placares, mas de decisões — e suas consequências.

O roteiro de Alex Convery, surpreendentemente refinado para uma estreia, subverte a expectativa de formalismo ao abraçar a organicidade do diálogo. Há uma cadência crua e sincera nos embates verbais que atravessam a narrativa — uma escolha que retira o texto do domínio da dramaturgia polida e o aproxima da vivência concreta de ambientes corporativos à beira do colapso. O filme confia em sua capacidade de sustentar o interesse mesmo quando todos os personagens estão sentados em torno de uma mesa, sem qualquer urgência física. Isso acontece porque o conflito, aqui, é interno: cada frase é uma aposta emocional, cada negociação uma tentativa desesperada de convencer o outro — e a si mesmo — de que vale a pena arriscar tudo por uma ideia que ainda ninguém reconhece como valiosa.

A decisão de manter Michael Jordan à distância, tratado como presença simbólica e nunca como personagem ativo, é mais do que um artifício de estilo. Trata-se de uma estratégia narrativa que desloca o centro da ação para aqueles que, historicamente, são coadjuvantes: os intermediários, os estrategistas, os pais. Jordan, nesse arranjo, deixa de ser um indivíduo e se torna uma espécie de ponto de fuga — uma abstração carregada de potencial que catalisa todos os movimentos ao seu redor. Ao não conceder ao espectador o alívio visual de ver o astro em cena, o filme obriga o público a encarar o que quase sempre passa despercebido: o terreno acidentado onde decisões cruciais são tomadas antes que qualquer ídolo pise na quadra.

Viola Davis, interpretando Deloris Jordan, ocupa parte desse vazio com sobriedade e autoridade. Sua personagem — aparentemente periférica — se torna o eixo de uma lógica de proteção e sabedoria que reconfigura a ideia de protagonismo. Sua presença discreta é, paradoxalmente, a mais contundente. Ela reequilibra a balança de poder e rompe com a imagem do empresário que tudo decide. A negociação, afinal, só avança porque há, do outro lado da mesa, alguém com discernimento suficiente para estabelecer os termos — e não se contentar com menos do que o seu filho merece. É nesse gesto silencioso, porém definitivo, que o filme revela seu comentário mais incisivo sobre poder, visibilidade e legado.

A direção de Affleck opera em um registro de contenção que surpreende. Ao contrário do que se espera de cineastas que também atuam, sua presença em cena é discreta, quase autoirônica. Interpretando Phil Knight, o fundador da Nike, ele escapa da tentação de mitificar o empreendedor e opta por enfatizar suas idiossincrasias — uma postura que reforça o tom quase documental da narrativa. O que se vê em “Air” é menos a tentativa de erguer estátuas e mais a disposição de observar, com lupa, os mecanismos frágeis e por vezes patéticos que compõem as engrenagens do sucesso. O humor, nesse sentido, é um recurso de alívio, mas também de revelação: Jason Bateman e Chris Tucker, com atuações econômicas e precisas, oferecem contrapontos que humanizam a tensão e expõem o desgaste invisível de quem precisa performar genialidade todos os dias para não desaparecer.

A força de “Air” não está em uma reviravolta brilhante, mas na maneira como constrói uma espiral de urgência com elementos mínimos. É um filme que entende que, às vezes, o suspense mais eficaz está nos detalhes técnicos de um contrato, na escolha do momento certo para uma ligação, na insistência de um argumento que parece não convencer ninguém. É aí que reside sua potência. Ao eliminar o espetáculo convencional, Affleck e Convery deslocam o foco do evento para o processo — uma operação arriscada que, ironicamente, ecoa o próprio tema do filme: acreditar em algo antes que o mundo inteiro veja valor ali.

No fundo, “Air” é sobre convicção em estado puro. É sobre o gesto — muitas vezes solitário — de acreditar no invisível. E também sobre a beleza inquietante de se colocar tudo em jogo por uma intuição que não cabe nos relatórios ou nos gráficos de mercado. Não é o tênis que importa. Nem mesmo Jordan. O que importa é o movimento de resistência contra a mediocridade, o impulso de enxergar onde todos veem apenas ruído. Nesse sentido, “Air” se aproxima mais do cinema de personagens do que das cinebiografias tradicionais: seu fascínio está nas fissuras, nas dúvidas, na repetição exaustiva de tentativas que precedem qualquer milagre de marketing. E talvez seja justamente por isso que funcione tão bem: porque não força o extraordinário, mas revela o extraordinário escondido no ordinário.

Filme: Air: A História Por Trás do Logo
Diretor: Ben Affleck
Ano: 2023
Gênero: Drama/Esporte
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★