Indicado a 3 Oscars em 2025 e considerado um dos melhores filmes do ano, drama com Colman Domingo chegou ao Prime Video sob demanda Divulgação / A24

Indicado a 3 Oscars em 2025 e considerado um dos melhores filmes do ano, drama com Colman Domingo chegou ao Prime Video sob demanda

Uma penitenciária de segurança máxima seria o último lugar no mundo em que alguém procuraria reconectar-se com seu eu lírico, certo? Talvez, mas pensando pela lógica estritamente inversa, possivelmente não vá existir nenhuma outra fonte de novas emoções, más e restauradoras, potentes e exaustivas, do que por trás dos muros que separam um grupo de homens do restante da civilização, em se aplicando os métodos adequados, e “Sing Sing” prova-o de maneira categórica.

A partir de “The Sing Sing Follies” (“as loucuras de Sing Sing”, em tradução literal), artigo de John H. Richardson publicado na “Esquire” em 2005, o filme de Greg Kwedar volta ao Centro Correcional de Ossining, hoje oficialmente Sing Sing, a vila homônima a 48 quilômetros ao norte da cidade de Nova York, para testemunhar um pequeno milagre. Operada pelo Departamento de Correções e Supervisão Comunitária do Estado de Nova York, Sing Sing é uma ilha de eficiência em meio à corrupção das autoridades e à máfia intestina das cadeias, praga que infesta o mundo todo, e um dos motivos é o Reabilitação pela Arte, o RPA. Como Richardson, Kwedar e o roteirista Clint Bentley também foram a Sing Sing e entrevistaram membros do RPA a fim de investigar o real alcance do projeto, e o que se vê na tela não é menos que impressionante.

Pensadores do vulto de São Tomás de Aquino (1225-1274) partiram da inteligente suposição de que sem honra o homem simplesmente não tem a menor possibilidade de ser feliz, uma vez que sem o caráter reto perde-se qualquer parâmetro quanto ao que seria conveniente ou um erro para o qual não haveria remédio. Kwedar deseja saber o quão dispostos os internos de Sing Sing estão para atingir sua mudança de vida, e para tal aparece o menos possível, concentrando-se em captar imagens do pátio e dos pavilhões, cercados pelo bucolismo da margem leste do rio Hudson. Quando resolve participar do encontro da RPA, a câmera mimetiza-se de uma forma que também nós tornamo-nos um aluno de Brent Buell, o professor de teatro vivido por Paul Raci.

Um dos pupilos mais brilhantes de Buell é John Whitfield, o Divine G, um ex-ator e aspirante a dramaturgo que parece ter se metido com tráfico de metanfetamina, figura que conduz boa parte de “Sing Sing”. Em outro de seus papéis tão plenos de simbolismo quanto efetivamente revolucionários, Colman Domingo encarna Divine G escondendo o lado trevoso do personagem, trazido à superfície na virada do segundo para o terceiro ato, quando, depois de os custodiados deliberarem sobre a peça a ser apresentada. G sugere que ensaiem uma versão de “Rei Lear” (1606), de Shakespeare, mas Clarence Maclin, o Divine Eye, acha que é hora de sorrirem um pouco. Buell prontifica-se a escrever um texto que junte mitologia egípcia, faroeste e suspense, e o que sai daí é uma catarse coletiva em seu nível mais alto de fervura, e isso não se trata de metáfora. Os dois divinos atracam-se no palco, cada qual com sua parcela de ira e razão.

“Sing Sing”, claro, foi solenemente ignorado e mesmo vítima de certa sabotagem das salas de cinemas comerciais, ficando restrito a espaços quase clandestinos, numa triste ironia autorreferente até chegar ao streaming. Entretanto, de uma forma ou de outra, todos temos de tomar contato com essa história de prisão sem sangue, carcereiros sádicos e pederastia, apenas com homens comuns, quiçá ainda perversos, em busca de uma segunda chance que, esperam, venha pela arte. O que Greg Kwedar oferece é uma experiência pelo mais escuro de cada um, sem julgamentos ou lições de moral, até porque todos sabemos muito bem onde aperta-nos o sapato. Calçar o de gente como essa pode nos convencer que os nossos não são tão insuportáveis assim.

Filme: Sing Sing
Diretor: Greg Kwedar
Ano: 2023
Gênero: Documentário/Drama
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★
Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.