Em um tempo em que o cinema de consumo rápido substitui a introspecção pela aceleração sentimental, “A Lista da Minha Vida” camufla sua fragilidade estrutural sob o pretexto da leveza emocional. A narrativa se constrói a partir de uma premissa rica — uma mãe, diante da iminência de sua partida, deixa à filha uma série de tarefas a serem cumpridas caso deseje receber sua herança. Mas, em vez de confrontar as implicações éticas, afetivas e existenciais de uma missão póstuma desse calibre, o filme se contenta em reduzir o luto a uma gincana moral. O que poderia ter sido uma meditação sobre a memória, os vínculos e a culpa é traduzido em uma jornada protocolar de autoaperfeiçoamento, mais interessada em gratificar seu público com pequenas epifanias do que em construir uma experiência verdadeiramente transformadora.
A escolha por não tensionar os conflitos propostos não se dá por limitação técnica, mas por um projeto narrativo deliberado que confunde empatia com indulgência. A protagonista, Alex, é retratada como alguém em suspenso — afastada de sua vocação, imersa em um relacionamento amorosamente neutro, estagnada profissionalmente —, mas nunca verdadeiramente confrontada por essas ausências. Sua inércia é apresentada como um estado de transição, mas o filme não se dispõe a explorá-la com a profundidade exigida. Os desafios que recebe da mãe, ainda que simbólicos, tornam-se tarefas a serem cumpridas com a previsibilidade de uma comédia romântica de fórmula. Em vez de permitir que a personagem colida com suas contradições, o roteiro constrói um universo que conspira a seu favor, onde as dificuldades são minimizadas e as recompensas vêm como prêmio por uma obediência acrítica a um plano pré-estabelecido.
Há uma ironia involuntária na forma como o filme dramatiza a ideia de liberdade por meio de uma lista. O paradoxo de uma personagem que deve seguir instruções para descobrir quem é nunca é tematizado, como se o autoconhecimento pudesse ser pré-formatado em doze passos. A relação com a mãe, mediada por gravações em DVD, tampouco rompe a lógica instrumental da missão: a voz materna não se apresenta como um fantasma provocador, mas como uma figura tutelar que orienta, cobra e recompensa. Assim, o vínculo entre ambas, que poderia ser desconfortavelmente amoroso e conflituoso, é reduzido a uma interação funcional. O que está em jogo não é a reconstrução de uma relação interrompida pela morte, mas a execução de um roteiro de redenção individual sem margem para imprevistos. Trata-se de uma narrativa que repele a dúvida, mesmo quando flerta com temas cuja potência reside justamente naquilo que não se resolve.
A superficialidade da transformação de Alex se manifesta não apenas em suas ações, mas na maneira como os outros personagens são mobilizados em função dela. Poucos possuem densidade ou autonomia narrativa: o namorado conformado, a melhor amiga sabotadora, os irmãos apagados, o advogado que oscila entre fiscal e par romântico — todos orbitam em torno de uma protagonista que raramente escuta algo que não deseje ouvir. Há momentos em que a encenação beira o inverossímil, como quando o filme insiste em mostrar a evolução emocional da personagem por meio de cenas didáticas que reiteram, com pontuação duplicada, tudo o que já fora verbalizado anteriormente. As escolhas estéticas, por sua vez, apontam para uma sensibilidade visual mais refinada, mas esbarram na contradição de uma direção que teme o silêncio e a ambiguidade, preferindo ilustrar com palavras aquilo que a imagem já sugeria com muito mais força.
O mais inquietante, no entanto, não é o que o filme diz — mas o que escolhe calar. A centralização da narrativa no vínculo exclusivo entre mãe e filha ignora as dinâmicas familiares mais amplas, transformando em não-acontecimentos os possíveis ressentimentos e exclusões vividos pelos demais membros da família. A própria lógica da herança condicionada, que poderia ser tensionada como gesto ético duvidoso, é tratada como um recurso dramático neutro. Ao invés de assumir as implicações dessa escolha — o favoritismo afetivo, a manipulação pós-morte, a responsabilização de uma filha por aquilo que talvez nem deseje carregar — o filme encobre essas questões sob uma camada espessa de benevolência narrativa. É como se o simples fato de haver boa intenção justificasse todas as omissões, como se a bondade emocional autorizasse qualquer imposição.
“A Lista da Minha Vida” deixa de cumprir aquilo que promete: uma jornada de reencantamento com a própria existência. Ao evitar o desconforto, ao edulcorar a crise, ao converter dilemas em tarefas e feridas em hashtags, a narrativa se esvazia justamente onde deveria ganhar densidade. E não se trata de uma falha de execução, mas de concepção: o filme não fracassa por tropeçar em suas ambições, mas por restringi-las desde o início. Há nele uma recusa sistemática ao imprevisível, ao ambivalente, ao irredutível — aquilo que, afinal, define a experiência humana quando ela se depara com a perda, o desejo e o tempo. Quando a tela escurece, não resta o silêncio reverente das histórias que nos tocaram. Resta o ruído discreto daquilo que quase foi dito, mas se perdeu por medo de incomodar.
★★★★★★★★★★