No Prime Video: o filme palestino que ganhou o Oscar de 2025 — e causou o sequestro e o espancamento do diretor Divulgação / Synapse Distribution

No Prime Video: o filme palestino que ganhou o Oscar de 2025 — e causou o sequestro e o espancamento do diretor

Sob o sol abrasador de Masafer Yatta, as paredes das casas, erguidas com persistência e esperança, desmoronam sob a força impiedosa das máquinas militares. É exatamente nessa interseção de dor e resistência que o documentário “Sem chão” encontra seu terreno narrativo, costurando uma realidade crua e insuportavelmente próxima. Dirigido por Yuval Abraham, Basel Adra, Hamdan Ballal e Rachel Szor, o filme não busca o conforto da neutralidade; em vez disso, prefere a coragem do confronto direto, mergulhando o espectador num universo onde o desamparo é cotidiano e o absurdo, institucionalizado. Cada imagem revela não apenas o colapso físico das estruturas, mas também a erosão brutal da humanidade, onde vidas são simplesmente números em uma equação perversa.

Basel Adra não é apenas um diretor ou um observador distante da tragédia retratada: é um personagem intrinsecamente entrelaçado à paisagem devastada. Crescido nas mesmas ruas transformadas agora em campos militares israelenses, Basel transporta consigo a memória física e emocional da violência sistêmica. Sua infância marcada por prisões e protestos é a base sobre a qual se ergue sua atuação documental e ativista. Seu olhar não registra; ele interpela, desafia e denuncia sem a menor concessão à apatia. Ao seu lado, Yuval Abraham, um jornalista israelense cuja voz crítica desafia o próprio Estado ao qual pertence, torna-se o contraponto necessário à narrativa. Juntos, compõem uma dupla improvável que transpassa fronteiras ideológicas, destacando que a solidariedade não se limita às linhas de conflito.

O impacto visceral de “Sem chão” reside justamente em sua recusa em suavizar o insuportável. Quando um soldado israelense responde, impassível, que “não importa” diante do apelo desesperado de uma mãe pela vida de suas filhas, o filme expõe sem cerimônia a banalidade sinistra da crueldade institucionalizada. Cada demolição, cada tanque avançando, cada olhar vazio dos soldados é meticulosamente captado para enfatizar que não se trata de casos isolados, mas de um modus operandi deliberado. Essa abordagem confrontativa elimina qualquer ilusão de diplomacia ou reconciliação artificial, apresentando um conflito cujas raízes ultrapassam qualquer narrativa simplificada. A resistência silenciosa e incessante dos moradores, que insistem em reconstruir suas casas mesmo sabendo da iminência da nova destruição, é talvez a demonstração mais potente de uma luta contra o apagamento histórico.

Ao optar pela provocação ao invés da contemplação passiva, o documentário convida o espectador a reconhecer sua própria responsabilidade moral. Basel, enquanto registra meticulosamente cada atrocidade, é consciente de que o esquecimento global é parte integrante da perpetuação desse horror. Assim, cada frame é também um apelo ao despertar coletivo, um grito de resistência contra a cumplicidade silenciosa que permite tais abusos. A experiência proporcionada pelo filme ultrapassa o simples relato documental; torna-se uma convocação urgente à empatia e à ação. Em última instância, “Sem chão” não apenas documenta a tragédia; desafia-nos a repensar o próprio significado de humanidade em um mundo onde a indiferença é a mais poderosa arma dos opressores.

Filme: Sem Chão
Diretor: Yuval Abraham, Basel Adra, Hamdan Ballal e Rachel Szor
Ano: 2024
Gênero: Documentário
Avaliação: 10/10 1 1
★★★★★★★★★★