Sob o verniz cálido e reconfortante de “A Lista da Minha Vida” se esconde uma narrativa que, embora deseje falar sobre amor, perda e renovação, hesita em atravessar as zonas mais turvas da experiência humana. O filme parece mirar no consolo universal da finitude, mas tropeça justamente quando tenta conciliar a leveza do escapismo com a complexidade das decisões morais que propõe. Sua ambição é clara: transformar a dor em recomeço, o luto em caminho. Mas essa transição, que poderia render um retrato emocionalmente denso, é comprometida por atalhos sentimentais e concessões éticas que soam mais convenientes do que verdadeiras.
A premissa oferece material suficiente para inquietar: uma jovem que, ao lidar com a morte da mãe, reencontra o sentido da vida por meio de vídeos gravados como testamento emocional. No entanto, o roteiro opta por revestir essa jornada com camadas de romantização moralmente frágeis. Um dos eixos mais problemáticos do filme — e não por acaso o mais explorado — é o envolvimento amoroso entre personagens comprometidos, que se desenvolve sem questionamento ético real. Em vez de tensionar a situação e explorar as consequências do desejo em conflito com a responsabilidade, o enredo sugere que certas transgressões ganham legitimidade quando impulsionadas por um amor idealizado. O resultado é uma narrativa que não apenas simplifica os dilemas que propõe, mas que, ao fazê-lo, dissolve a densidade que esses dilemas poderiam imprimir à trama.
O comportamento da protagonista ilustra essa superficialidade. Interpretada por Sofia Carson, Alex se divide entre momentos de luto performático e escapadas românticas que soam deslocadas, não apenas por contraste emocional, mas por ausência de fundamento interno. A dor, que deveria ser sentida de forma subterrânea, íntima, é quase sempre verbalizada. Pouco se confia no poder de uma pausa, de um olhar, de um silêncio carregado. A atuação, embora tecnicamente competente, é empobrecida pela direção que privilegia a explicação em vez da sugestão. O que poderia ser revelado por nuances é sufocado por monólogos que se pretendem poéticos, mas que acabam reiterando sentimentos já óbvios ao espectador atento.
Curiosamente, os momentos mais autênticos emergem quando o filme abandona o discurso e aposta na imagem. A fotografia, que varia entre tons dourados de pôr do sol e paisagens outonais, dialoga com os altos e baixos emocionais da protagonista de forma mais eficaz que boa parte dos diálogos. Há uma sensibilidade visual que se manifesta pontualmente em cenas menores — um objeto que resiste ao tempo, um gesto interrompido, um plano que se demora mais do que o necessário. Nesses trechos, o filme parece lembrar que o cinema, antes de ser palavra, é imagem. E é nesse hiato — entre o que é dito e o que é apenas mostrado — que ele por vezes acerta o tom.
Entretanto, tais acertos são episódicos e não se sustentam como eixo de construção narrativa. Há personagens secundários cuja presença sugere arcos dramáticos mais promissores — como Sullivan, que com poucas falas insere uma nota de ironia bem-vinda ao enredo, ou Ezra, que parece ter sido pensado para representar um contraponto ético à protagonista, mas que é deixado à deriva, retornando apenas para cumprir funções mecânicas. As relações entre os personagens carecem de um desenvolvimento orgânico. O afeto entre eles parece brotar mais de uma necessidade do roteiro do que de qualquer conexão real construída ao longo da história.
A estrutura, apesar de bem ritmada, não consegue sustentar o peso emocional que pretende carregar. A fluidez da narrativa não encontra eco em sua densidade, e o filme segue adiante sem enfrentar os fantasmas que convoca. O caso mais emblemático é o dos vídeos deixados pela mãe — material rico, emocionalmente potente, mas que é tratado de forma quase individualista. Ao concentrar a herança emocional apenas na filha mais próxima, o filme ignora as possíveis reações dos demais membros da família, naturalizando uma escolha que, se fosse tematizada, poderia abrir espaço para um debate mais profundo sobre favoritismo, ausência e ressentimento entre irmãos.
O incômodo não está no que o filme escolhe contar, mas no que decide omitir. Há uma tendência a suavizar os conflitos em nome da esperança, como se o consolo emocional exigisse, necessariamente, a renúncia à complexidade moral. E isso compromete o impacto da narrativa. Quando o desfecho se dá, não há surpresa nem confronto — apenas uma sensação de que algo foi convenientemente deixado de lado para que a protagonista pudesse ser celebrada em sua jornada de autodescoberta, mesmo à custa dos sentimentos alheios.
Se há algo que “A Lista Minha da Vida” oferece, é uma experiência esteticamente aprazível e emocionalmente acessível. Sua mensagem sobre o valor do tempo e a urgência de viver com autenticidade é legítima, ainda que transmitida sem grandes inovações. Mas é justamente por tocar em temas tão universais que o filme poderia — e deveria — ter se arriscado mais. O conforto de sua narrativa palatável é também sua limitação mais evidente. Faltou coragem para encarar o que é desconfortável, ambíguo, não resolvido. E é aí, nesse espaço não explorado, que o filme deixa de ser inesquecível.
★★★★★★★★★★