Há sempre um elemento de sátira sociopolítica em filmes que denunciam a barbárie do que pode vir a se tornar a vida na Terra num prazo que talvez nem seja assim tão longo, e “Finch” confirma esse pendor. A inteligência artificial, como se poderia imaginar, vem se tornando uma ameaça à humanidade e, em tudo seguindo como nas presentes condições, há de ser para breve o tempo em que, de concorrentes rancorosos e mudos, dispositivos, softwares, robôs, engrenagens de toda ordem passarão a adversários desleais, inatingíveis em seus planos macabros de subjugação de seus criadores e humanamente cruéis, emulando os mais de 140 mil anos de truculência de nossa espécie, fervida e refervida nos caldeirões da ambição, da fome de poder a todo custo e do ódio que puderam absorver da convivência conosco.
Miguel Sapochnik também não sabe onde vão chegar o aprendizado das máquinas e todas as falsas urgências de que a encarregamos sem trégua, mas uma coisa parece óbvia em seu filme: os afetos não hão de morrer. O roteiro de Craig Luck e Ivor Powell estende-se sobre um homem solitário num mundo pós-apocalíptico que há quinze anos sobrevive com a ajuda de seu cachorro e um robô, um universo de possibilidades nas mãos de um dos melhores atores do cinema.
O apocalipse incita a curiosidade de qualquer um que perceba correr em suas veias ao menos uma gota de sangue que não tenha sido maculado pela indiferença e pelo desdém com as incontáveis causas que preocupam — ou deveriam preocupar — a todos. Dissociar o homem de sua ganância é tarefa hercúlea para qualquer filme, de modo que nem sempre boa direção, elenco afinado e edição cuidadosa liquidam a fatura. Todos já cruzamos com figuras que seduzem sem querer, que conseguem tudo quanto desejam com um sorriso, desmontando um semblante austero, a princípio cheio de resistências.
Finch Weinberg, um gênio da engenharia da computação, vaga pela Terra resguardado por um traje de alta tecnologia e junto com o vira-lata Goodyear e Dewey, o robô. Na abertura, Finch, Goodyear e Dewey têm de abandonar St. Louis e fugir para um lugar seguro porque uma tempestade digna do fim dos tempos se aproxima. Ele parece doente e corre contra o relógio a fim de terminar a programação de outro assistente tecnológico que armazenará todo o conteúdo de sua imensa biblioteca, sem nenhuma garantia de que o vá conseguir, pela mensagem que se lê na tela.
Obsessivo, Sapochnik acrescenta detalhes cada vez mais ricos para justificar a saga de Finch, e Tom Hanks encarrega-se de dar personalidade a um enredo excessivamente pragmático em muitas ocasiões, conferindo alma ao que não sofre, mais ou menos como se assiste em trabalhos que se provaram e passaram à história como “Náufrago” (2000), levado à tela por Robert Zemeckis. Caleb Landry Jones vibra no mesmo diapasão e encontra a voz certa e o ritmo mais adequado para Jeff, o segundo robô, os dois driblando lacunas narrativas e clichês do texto de Luck e Powell, ajudados pela fotografia de Jo Willems e a edição de Tim Porter.
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