Um passado de glórias no manuseio das carrapetas ainda nutre Scorpex de esperanças, quinze anos depois da consagração com um único sucesso, isto é, um banger. Não por acaso, esta palavra repete-se tantas vezes ao longo da hora e meia de “DJ à Paisana”, e também não é nenhuma coincidência que seja este o nome original do longa de estreia do francês Bertrand Lagros de Langeron, também conhecido como So-Me.
Nessa primeira empreitada mais íntima junto à grande indústria cinematográfica, o diretor parece ter a necessidade constante de provar-se um autêntico iconoclasta, o que enfraquece bastante o resultado final; entretanto, não se pode negar que So-Me, famoso no meio artístico por dirigir videoclipes de nomes como Kanye West, MGMT e Justice, além de chefiar as campanhas publicitárias da Dior, sabe exatamente a história que quer contar. Por essa razão, escolhe para protagonista um ator marcado pela versatilidade, que não só dá conta do recado com folga como surpreende, ajudando o filme a escapar da pecha cruel de disco arranhado.
Derivação de um episódio de “6 X Confiné.e.s”, “DJ à Paisana” fixa-se quase todo em Scorpex e no imenso ego que o faz acreditar que seu tempo de rei da noite ainda não passou. Quem já alcançou certa idade e, mais importante, queimou a pestana virando a noite em inferninhos escuros e barulhentos, logo vai familiarizar-se com o ambiente de trabalho de Scorpex, tentando se situar em meio às milhares de revoluções por minuto da música eletrônica e seus mais variegados gêneros, do electro ao gabber, passando pelo house e também pelo trap.
Nosso anti-herói garganteia a curiosa teoria que reza a respeito da verdadeira grandeza de um discotecário, qual seja, não apenas mixar hits de outros artistas, mas compor suas próprias faixas, a exemplo do que ele fizera num jurássico 2010, muito mais pré-histórico sob a perspectiva da cultura pop. Quase irreconhecível na pele de Scorpex depois de composições sofisticadas feito o coreógrafo Thomas Leroy em “Cisne Negro” (2010), de Darren Aronofsky, Vincent Cassel desbrava a tibieza moral e as contradições de seu personagem, não de todo vilanesco; no fundo, ele não se conforma de ter de descer do palco a fim de ceder espaço para Vestax, um headliner mais novo e picareta, que apropriou-se de sua marca registrada, o X de braços cruzados, e não sossega enquanto não tiver a certeza de que o veterano está com lama pelo pescoço.
A interação entre Cassel e Yvick Letexier, o Mister V, sócio de um canal de comédia stand-up no YouTube, mantém de pé o enredo, mesmo quando So-Me resolve esticar a corda e inclui uma subtrama ancorada no envolvimento de Scorpex com o crime organizado. “DJ à Paisana” sofre com a flutuação narrativa, recobrando o fôlego na undécima hora, momento em que entra em cena Toni, a filha de Scorpex interpretada por Nina Zem, particularmente vulnerável e precisando dele. O incansável travelling da câmera atrás de Cassel ao longo de boa parte do filme faz com que o espectador até padeça de uma ligeira vertigem, uma vez que a ação frequentemente intercala-se com as performances de Scorpex ao vivo, lembrando um pouco o homólogo alemão “Berlin Calling” (2008), de Hannes Stöhr. Nada que quem já tenha sido jovem um dia não suporte.
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