Woody Allen tem uma carreira marcada por oscilações entre genialidade e experimentação, navegando entre narrativas sofisticadas e projetos que parecem apenas esboços de conceitos intrigantes. “Blue Jasmine” poderia facilmente ter sido apenas mais um drama convencional sobre colapso emocional e desilusão, mas sua construção meticulosa revela uma obra de rara densidade psicológica, onde cada escolha narrativa sustenta uma análise contundente sobre identidade, ruína e reinvenção.
A estrutura do filme, fragmentada entre passado e presente sem transições lineares, reforça a instabilidade de sua protagonista. Jasmine, interpretada por Cate Blanchett com uma intensidade assombrosa, emerge como um reflexo dos excessos e das ilusões de uma sociedade obcecada por status. Seu declínio não é apenas financeiro, mas existencial: privada da identidade que construiu em torno de luxo e aparência, ela se vê sem referências, buscando desesperadamente um novo papel a desempenhar. O filme não oferece respostas fáceis, mas constrói um retrato fascinante da desagregação emocional e da tentativa de reconstrução sobre bases instáveis.
Blanchett conduz essa jornada com uma precisão impressionante, explorando a fragilidade e a arrogância de Jasmine sem reduzi-la a uma caricatura. Sua performance captura a hipocrisia e o desespero de uma mulher incapaz de aceitar a própria queda, oscilando entre a altivez de quem se julga acima das circunstâncias e o colapso de quem percebe que não há para onde fugir. Cada olhar perdido, cada frase desconexa, cada sorriso forçado revela camadas de um sofrimento que nem a própria protagonista consegue compreender completamente.
O elenco de apoio adiciona camadas fundamentais à narrativa. Sally Hawkins, como a irmã que construiu uma vida sem grandes ambições, funciona como contraponto realista às ilusões de Jasmine. Bobby Cannavale, Andrew Dice Clay e Peter Sarsgaard adicionam nuances a um círculo de personagens que, embora inicialmente pareçam estereotipados, ganham profundidade conforme suas interações revelam novas facetas da trama.
A direção de Allen, minimalista e funcional, permite que os personagens e seus dilemas sejam o centro da atenção. O filme evita artifícios visuais exuberantes, concentrando-se em planos simples e closes que capturam a expressão críptica e errante de Jasmine. Essa abordagem poderia soar contida demais, mas na verdade amplia o impacto emocional da história, mantendo o público imerso na deterioração psicológica da protagonista.
O desfecho, inquietante e propositalmente inconclusivo, levanta questões sobre responsabilidade, autossabotagem e a impossibilidade de certos indivíduos se adaptarem a uma nova realidade. Jasmine é uma vítima das próprias escolhas ou do sistema que a encorajou a viver uma ilusão? O filme sugere que talvez não haja resposta definitiva, pois sua tragédia reside justamente na ausência de aprendizado e na repetição de padrões que a condenam a um ciclo interminável de negação e colapso.
Dentro da filmografia de Allen, “Blue Jasmine” se destaca como um estudo de personagem excepcional, alinhando-se a suas obras mais incisivas sobre a psique humana. A interseção entre drama e ironia é conduzida com maestria, resultando em uma experiência que não apenas emociona, mas também provoca reflexão sobre os abismos que se escondem sob a superfície de uma vida aparentemente perfeita.
★★★★★★★★★★