Filme revolucionário de Robert Zemeckis, com Tom Hanks e Robin Wright, está no Prime Video Divulgação / Miramax

Filme revolucionário de Robert Zemeckis, com Tom Hanks e Robin Wright, está no Prime Video

Robert Zemeckis construiu uma carreira marcada pela fusão entre inovação técnica e narrativas de forte apelo emocional. Em “Aqui”, ele se propõe a um experimento singular: contar a história de um único pedaço de terra através dos séculos, mantendo um ponto de vista estático. A proposta é audaciosa e revela tanto o gênio do diretor quanto os desafios inerentes a uma abordagem tão rigidamente conceitual. A imobilidade da câmera, por um lado, traduz a passagem do tempo com rara elegância, mas, por outro, limita a conexão emocional com os personagens que transitam pela tela. O resultado é uma experiência visual singular, ainda que por vezes distante.

“Aqui” trata o tempo como elemento narrativo. Desde as eras pré-históricas até um futuro especulativo, o filme registra as transformações de um espaço e de seus sucessivos ocupantes. Richard (Tom Hanks) e Margaret (Robin Wright) estão no centro dessa jornada, mas sua história se entrelaça com fragmentos de outras existências que compartilharam aquele mesmo solo. A estrutura ampla, quase episódica, às vezes impede que essas narrativas atinjam seu potencial dramático, pois o filme se desloca constantemente entre tempos e personagens, sem aprofundar-se em cada um deles. A ideia de continuidade histórica está presente, mas muitas dessas passagens acabam funcionando mais como vinhetas ilustrativas do que como relatos plenamente desenvolvidos.

Tecnicamente, o filme é um feito. A cinematografia de Don Burgess converte a imobilidade da câmera em uma ferramenta expressiva, utilizando transições engenhosas para unir diferentes épocas de maneira fluida. O tempo, assim, se dissolve diante dos olhos do espectador, permitindo que as décadas se desloquem sem cortes bruscos. A escolha de manter o enquadramento fixo é audaciosa e exige um alto grau de precisão visual, o que torna ainda mais impactante o momento em que essa regra é quebrada. Quando a câmera finalmente se move, próximo ao desfecho, o efeito é poderoso: um gesto que transmite mais do que qualquer diálogo poderia expressar sobre a passagem do tempo e o papel da observação na memória.

Tom Hanks, um dos grandes arquétipos do “homem comum” no cinema americano, conduz seu personagem com a humanidade habitual, tornando Richard um ponto de ancoragem dentro da estrutura fragmentada do filme. Sua parceria com Robin Wright resgata a sintonia que ambos demonstraram em “Forrest Gump”, mas sem a mesma profundidade emocional. Isso se deve, em parte, à própria natureza do roteiro, que os trata menos como indivíduos e mais como representantes de uma continuidade histórica maior. O mesmo ocorre com os demais personagens que surgem ao longo da trama: muitos deles possuem presenças intrigantes, mas raramente têm tempo suficiente para se tornarem memoráveis.

A distribuição desigual do foco narrativo também afeta o impacto de algumas passagens. A segunda metade do século 20 recebe atenção desproporcional, enquanto outros períodos são tratados de maneira mais superficial. Eventos como a Revolução Americana ou o advento da aviação são referenciados, mas não têm o mesmo peso dramático das décadas mais recentes. Essa opção estilística é compreensível, mas gera uma sensação de desequilíbrio na amplitude da narrativa.

Ainda assim, “Aqui” é uma experiência cinematográfica instigante. Sua abordagem singular e a execução técnica minuciosa fazem dele um filme que desafia convenções e convida o espectador a contemplar o fluxo da existência sob uma nova perspectiva. Não está entre as maiores realizações de Zemeckis, mas se destaca por sua originalidade e pela maneira como traduz o tempo em imagem. Ao final, a questão central que permanece não é apenas sobre os personagens que habitaram aquele espaço, mas sobre o próprio espectador: qual é o rastro que deixamos nos lugares que chamamos de lar?

Filme: Aqui
Diretor: Robert Zemeckis
Ano: 2024
Gênero: Coming-of-age/Drama
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★