Quem permanece quando a festa acaba, quando o silêncio é o único ruído que resta? Há algo de profundamente revelador no modo como o abandono escancara não apenas o que o outro nos era, mas o que resistimos em ser sozinhos. “História de Amor em Copenhague” se debruça sobre esse exato ponto de inflexão — aquele em que o afeto deixa de ser um impulso para se tornar um dilema. A dupla de realizadoras Ditte Hansen e Louise Mieritz reimagina o romance como um campo minado de escolhas dissonantes, onde a intimidade não garante refúgio, mas antes desafia os envolvidos a sobreviver às pequenas fraturas que insistem em alargar-se com o tempo.
Inspirado no romance “Sult”, de Tine Høeg, o filme trafega por um terreno que parece familiar — relações, expectativas, promessas —, mas escava sob essa superfície até atingir o nervo exposto do convívio. O foco não está na paixão em si, mas na erosão lenta que acomete qualquer tentativa de compromisso em uma era de hipermobilidade emocional. O roteiro evita as armadilhas do sentimentalismo fácil e investe em cortes precisos, alternando entre momentos de ternura e conflitos internos que revelam mais por omissão do que por palavras ditas. Assim, o que se delineia não é a história de um casal, mas o retrato da dificuldade de sustentar uma narrativa a dois sem desfigurar o próprio enredo pessoal.
Mia Berg, figura de prestígio no circuito literário, representa uma geração para quem a liberdade individual se tornou inegociável, mesmo que ao custo de um certo esvaziamento existencial. A aproximação com Emil, vizinho e pai dedicado, encena o conflito entre duas formas distintas de maturidade: uma moldada pelo cuidado constante, outra pela fuga deliberada da rotina afetiva. Ao explorar os encontros entre esses mundos tão distintos, as diretoras evitam tanto o maniqueísmo quanto o moralismo, permitindo que as personagens se contradigam, errem, recuem — como só os humanos de carne e osso costumam fazer.
O espaço doméstico, especialmente o apartamento da amiga Gro, funciona como cápsula de confidência e suspensão, onde as tensões podem ser ditas sem o verniz das convenções sociais. Nesse refúgio semi-informal, vemos o afeto surgir não como plano de vida, mas como socorro imediato, espécie de bote salva-vidas quando o oceano da solidão ameaça engolir tudo. As conversas entre amigas, pontuadas por uma melancolia leve e silenciosa, funcionam como contraponto à imprecisão das novas conexões, fornecendo pequenas âncoras num mundo de relações fluidas e frágeis.
A inflexão mais dramática do filme ocorre no fracasso do tratamento de inseminação artificial, e ali se desenha, com sobriedade admirável, uma ideia que percorre toda a trama: o amor, por mais desejado que seja, não pode ser planejado como se fosse um projeto executivo. A decepção não decorre de uma quebra, mas de um encontro com os limites do que se pode controlar. A maternidade, nesse contexto, não surge como objetivo romântico, mas como escolha individualíssima, que redefine as fronteiras do casal e explicita os desequilíbrios antes latentes.
Com atuações discretas, porém certeiras, Rosalinde Mynster e Joachim Fjelstrup habitam seus personagens com uma contenção que só amplifica o impacto das decisões silenciosas. Não há necessidade de grandes gestos quando se compreende que as maiores rupturas são internas. “História de Amor em Copenhague” não quer convencer o espectador de que o amor salva, mas também não renuncia à esperança de que ele possa, ao menos por um tempo, sustentar. Ao fim, resta a impressão de que toda tentativa de vínculo é menos uma resposta definitiva e mais uma pergunta incômoda: quem continua quando quase ninguém mais permanece?
★★★★★★★★★★