O amor é um gol de placa

O amor é um gol de placa

— Como foi o lance?

— Show de bola. Ela joga muito.

— Conta os melhores momentos.

— Você sabe que eu não sei amar. Costumo pipocar na hora da decisão. Em matéria de amor, estou sempre na lanterna. Eu tava jogando na retranca, fechadinho, estudando cada passo dela. Não tava a fim de me amarrar, entende?

— Tem mulher que é fominha.

— Exato. Mas, como diria o poeta, água mole em pedra dura, tanto bate até que molha. Entrei no clima, cantei o hino no pé-de-ouvido dela e… Voilà! Très bien! A irrigação funcionou perfeitamente bem, deixando a cancha úmida e o jogo mais rápido.

— Onde foi o amistoso?

— Lá onde a coruja faz o ninho. Apagaram-se os refletores do abajur lilás e entramos em campo: uma cama king size tão fofa e confortável que mais parecia o gramado do Allianz Parque.

— Conta mais, mano.

— Isolei a timidez, que nem um zagueiro grosso. Cheguei com o tradicional buquê de rosas nas minhas mãos-de-alface. Daí, encaixei a gata, dei nela um beijo e a chamei de “meu bem”.

— Tava jogando pra torcida, né?

— Que nada. Foi um encontro a portões fechados. Tava só a gente. Ela mandou os filhos pra casa da avó. Fiz cera. Firula. Dancinha. Esperei o contato físico. Então, apliquei nela uma caneta. E não é que ela tomou a caneta e escreveu “Eu te amo”?

— Caramba! Ela foi com tudo pra cima, meu irmão. Que blitz. Ela te amassou.

— Até certo ponto, suportei a pressão. As mulheres são diferentes dos homens. Não fazem simulação. Não praticam o anti-jogo. Na verdade, quando elas gostam de um sujeito, se atiram como um petardo do meio da rua, tipo um pombo sem asas, sabe como é?

— E aí?

— E aí, apesar da meia-luz, deu pra notar que ela tava, literalmente, na banheira. Mergulhei de peixinho para dentro da Jacuzzi, fiz o famoso um-dois e avancei até a linha de fundo para tentar uma jogada de efeito, mas ela refugou dizendo que ali a bola não entrava.

— Impedimento?

— Impedimento. Não esquentei. Não é não. E ponto final. Você sabe como eu trato bem as mulheres, que eu não dou canelada. Só fico viril quando elas pedem.

— É assim que se faz.

— Fiquei tão empolgado que até ensaiei uma “ola” ao som de Jerry Adriani.

— Deus do céu…

— Pra você ver como sou competitivo. Resolvi atacar pelas beiradas. Excitação total. Emoção à flor da pele. Parecia que estávamos no “La Bombonera” lotado. Eu tava o tempo todo no campo dela, mas, as bolas, simplesmente, insistiam em não entrar.

— Graças a Deus. Deve doer mais do que voadeira-por-trás.

— Ela é meio marrenta. Gosta de catimba. Tipo marcação cerrada, homem-a-mulher, se é que me entende. Era preciso muita paciência para furar a retranca. Eu tava motivado. Imagina: ela jogava de salto alto e aquilo me deixava ensandecido.

— Tem mulher que sabe botar fogo num jogo.

— Só que eu dei uma pisada na bola. Acabei me desconcentrando um pouquinho, senti a pressão e a bola murchou.

— Santo Cristo! Tomou vaia da gata?

— Ao contrário, ela disse “Tudo bem, meu bem”, que aquilo era coisa que acontecia com todo mundo, principalmente, com veteranos. Daí ficou me dando cartaz, me endeusando, cheia de “fair play” pra dar. Por fim, ela surgiu com um desses produtos de “sex shop”, que mais parecia solução de água com éter, coisa de levantar defunto mesmo. Fez massagem. Me alongou. A bandeirinha subiu e eu voltei pro jogo. Não tinha VAR que parasse a gente. Por fim, antes de esgotado o tempo regulamentar, finalmente, fiquei de frente pro lance, a meta inteira ao meu dispor.

— Meteu gol de placa?

— Meti gol de placa. Com direito a cavadinha. Só não entrei com bola e tudo porque tenho modos. E juízo.

— Teve jogo de volta?

— Na verdade, foi uma melhor-de-três, com direito a “hat-trick”.

— Você é muito convencido, parceiro.

— Essa temporada tá sendo incrível. Acho que encontrei a mulher da minha vida, cara. Ela bate um bolão. Pra completar, se amarra em futebol.

— Deu pra perceber. Talvez, você não contasse com isso.

— Pois é. Deu zebra. Eu me apaixonei.

Eberth Vêncio

Eberth Franco Vêncio, médico e escritor, 59 anos. Escreve para a “Revista Bula” há 15 anos. Tem vários livros publicados, sendo o mais recente “Bipolar”, uma antologia de contos e crônicas.