Ambientado no desolado Novo México do século 19, “Desaparecidas” rompe com as convenções do faroeste clássico ao mesclar brutalidade, misticismo e relações familiares corroídas pelo abandono e pelo ressentimento. O filme acompanha Maggie Gilkeson (Cate Blanchett), uma mulher resiliente que divide seu tempo entre a medicina e a lida no campo, mas cujo mundo desmorona quando sua filha é raptada por um grupo de renegados liderados por um xamã impiedoso. Sem outra alternativa, ela se vê forçada a pedir ajuda a Samuel (Tommy Lee Jones), seu pai ausente, que a abandonou décadas antes para viver entre os nativos. O resgate se torna uma jornada que ultrapassa a busca física, transformando-se em um acerto de contas com um passado permeado por dor e silêncio.
Ron Howard conduz a narrativa com um realismo implacável, descartando o heroísmo idealizado típico do gênero. O oeste retratado aqui é um espaço implacável, onde a sobrevivência cobra um preço alto e as escolhas são marcadas por consequências definitivas. A fotografia captura a aridez do território, amplificando a sensação de isolamento e hostilidade. Em vez de uma trilha sonora grandiosa e enfática, o filme opta por uma abordagem contida, permitindo que a carga emocional emerja das interpretações e da própria construção da tensão dramática.
Cate Blanchett entrega uma atuação visceral, encarnando Maggie sem traços de idealização ou glamour. A dor e a determinação de sua personagem se manifestam em cada gesto e expressão, reforçando o peso de sua jornada. Tommy Lee Jones, por sua vez, imprime camadas de ambiguidade ao seu Samuel, um homem marcado pelo arrependimento e pelo conflito entre duas identidades irreconciliáveis. A dinâmica entre os dois evolui com complexidade, fugindo de fáceis reconciliações e revelando um vínculo moldado por décadas de silêncio e ressentimento.
O antagonismo também se afasta da superficialidade comum ao gênero. O vilão interpretado por Eric Schweig é uma presença ameaçadora, que incorpora um misticismo inquietante sem resvalar na caricatura. O embate entre os protagonistas e os sequestradores se desenrola em sequências de ação meticulosamente construídas, onde a violência é brutal e consequente. O roteiro evita concessões fáceis, conferindo ao filme uma aura de fatalismo que o distingue de narrativas de resgate convencionais.
O título “Desaparecidas” vai além da trama central. Não se trata apenas do sequestro da filha de Maggie, mas também das ausências mais profundas que permeiam a história: o pai que partiu, os laços que se romperam, a inocência que se perdeu. A violência externa reflete feridas internas, e a busca pelo resgate se torna também uma tentativa desesperada de recuperar algo que pode jamais ser restaurado. O desfecho, despido de sentimentalismos, reforça a amargura dessa jornada, solidificando “Desaparecidas” como um faroeste singular, onde a ação se entrelaça com uma profunda exploração psicológica e emocional.
★★★★★★★★★★