Entre as inúmeras consequências dos atentados de 11 de setembro, uma questão incômoda e inevitável pairou sobre os escombros: como mensurar financeiramente a perda de uma vida? “Quanto Vale?” se debruça sobre esse dilema sem recorrer a soluções fáceis ou sentimentalismo barato. Em vez disso, o filme constrói um drama sóbrio e provocador, centrado no embate entre números e humanidade, burocracia e compaixão. O resultado é uma obra que não apenas expõe os bastidores da criação do Fundo de Compensação às Vítimas, mas também convida o espectador a refletir sobre as limitações do pragmatismo diante do luto.
Michael Keaton assume o papel de Kenneth Feinberg, advogado encarregado de administrar o fundo e garantir a adesão de 80% das famílias, evitando um colapso judicial que poderia desestabilizar a economia americana. Seu plano inicial é frio e funcional: estabelecer critérios matemáticos para definir a indenização de cada vítima, calculando valores com base em idade, profissão e perspectiva de ganhos futuros. A lógica, porém, se desfaz diante das histórias individuais. Viúvas descobrem traições e segredos devastadores, trabalhadores comuns percebem que suas perdas valem menos do que as de executivos, e casais homoafetivos enfrentam o apagamento de seus direitos. O que parecia uma equação simples se revela um campo minado emocional e moral, transformando a tarefa de Feinberg em algo muito mais complexo do que ele poderia imaginar.
O contraponto a essa visão mecanicista surge na figura de Charles Wolf, interpretado com maestria por Stanley Tucci. Viúvo de uma das vítimas, Wolf lidera o movimento “Fix the Fund”, contestando a abordagem fria de Feinberg e exigindo um modelo que respeite a dignidade dos mortos e seus familiares. A relação entre os dois homens se torna o coração pulsante do filme, um embate entre a impessoalidade do sistema e a necessidade de escuta e reconhecimento. Wolf não busca apenas números mais justos; ele quer que cada vítima seja vista como mais do que uma estatística, um ponto fundamental que abala a convicção inicial de Feinberg.
O elenco de apoio fortalece a carga emocional da narrativa. Amy Ryan, como Camille Biros, parceira de Feinberg, traduz o desgaste de quem precisa equilibrar empatia e eficiência. Laura Benanti interpreta uma viúva que tem sua dor amplificada ao descobrir verdades ocultas sobre o marido. Tate Donovan encarna o representante da elite financeira, cujo discurso sobre a desproporcionalidade das indenizações escancara as desigualdades do sistema. Cada personagem contribui para ampliar a discussão, enriquecendo o panorama moral do filme.
Diferente de outras produções que abordam o 11 de setembro com imagens impactantes e reconstruções dramáticas dos eventos, “Quanto Vale?” adota um caminho mais sutil, mas não menos contundente. A direção opta por um ritmo contido, dando espaço para os diálogos e as nuances das atuações. A fotografia discreta reforça a sobriedade da abordagem, enquanto a trilha sonora, pontuada por árias de ópera, adiciona um toque de melancolia refinada. A escolha da música clássica como elo entre Feinberg e Wolf, por exemplo, humaniza ambos e sugere que, apesar das diferenças, há algo de universal na dor e na tentativa de dar sentido à tragédia.
Em vez de validar uma visão única, “Quanto Vale?” desafia o espectador a considerar os diferentes lados do dilema. Feinberg não é um vilão, mas um homem convencido de que sua abordagem é a mais eficiente. Wolf, por sua vez, não se contenta com fórmulas prontas e exige que o sistema reconheça a singularidade de cada perda. A evolução de Feinberg ao longo do filme é um testemunho da dificuldade — e da necessidade — de se enxergar além dos números.
A obra reforça que nenhuma quantia pode reparar o irreparável. Mais do que cifras, os familiares das vítimas precisam ser ouvidos, respeitados e reconhecidos. A questão central permanece sem resposta definitiva, mas talvez essa seja a única resposta possível: quando se trata da vida humana, qualquer tentativa de valoração sempre será insuficiente. “Quanto Vale?” não apenas retrata um episódio importante da história recente, mas o transforma em um espelho incômodo da sociedade, questionando até que ponto estamos dispostos a medir o que, no fundo, não tem preço.
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