O filme que é um verdadeiro fenômeno e está na Netflix: 4,3 bilhões em bilheteria e 250 milhões de pessoas nos cinemas Divulgaçào / Lionsgate Entertainment

O filme que é um verdadeiro fenômeno e está na Netflix: 4,3 bilhões em bilheteria e 250 milhões de pessoas nos cinemas

Se “Jogos Vorazes” inaugurou uma distopia marcada pelo espetáculo da brutalidade, sua continuação, “Em Chamas”, refina essa crítica e a conduz a um nível mais sofisticado. Em vez de apenas expandir o universo, o filme transforma cada cena em um comentário incisivo sobre opressão e resistência, abandonando qualquer ingenuidade que poderia ter permeado o primeiro longa. Francis Lawrence assume a direção com uma precisão que transcende a função de simples continuidade e entrega uma obra que não apenas sustenta a força do original, mas a amplia com inteligência e impacto.

O que distingue “Em Chamas” de tantas sequências é sua capacidade de evitar os clichês inerentes a filmes intermediários. O roteiro, coescrito por Suzanne Collins, não subestima seu público, recusando-se a fornecer respostas mastigadas. A tensão política cresce organicamente, permeando cada detalhe — dos olhares trocados nos distritos às sutis mudanças de postura dentro do Capitólio. Esse subtexto dá ao filme uma densidade rara dentro do gênero, estabelecendo um clima de revolução iminente sem recorrer a didatismos excessivos.

A introdução de novos personagens fortalece a complexidade do jogo de poder. Plutarch Heavensbee (Philip Seymour Hoffman) e Finnick Odair (Sam Claflin) são adições que enriquecem a narrativa, cada um representando um vetor distinto dentro do tabuleiro político de Panem. Enquanto Heavensbee encarna a duplicidade estratégica, Finnick adiciona camadas de ambiguidade moral à trama. Essas presenças ampliam a noção de que a luta não se dá apenas no campo de batalha, mas também nos bastidores de um sistema que se sustenta pela manipulação e pelo medo.

Se há um ponto em que o filme tropeça, ele está na representação dos conflitos emocionais centrais. A relação entre Katniss (Jennifer Lawrence) e Peeta (Josh Hutcherson) mantém-se funcional dentro do enredo, mas carece da profundidade psicológica presente nos livros. A adaptação atenua os tormentos internos da protagonista, transformando sua hesitação entre Peeta e Gale (Liam Hemsworth) em um dilema menos tangível. Nos romances, o embate sentimental de Katniss é um reflexo de seu trauma e de sua dificuldade em confiar, enquanto no filme essa complexidade se dilui, tornando suas indecisões mais superficiais.

O antagonismo, por outro lado, alcança novos patamares de sofisticação. O Presidente Snow (Donald Sutherland), que antes se insinuava como uma ameaça difusa, torna-se um adversário de presença quase onipresente. Sua frieza meticulosa e sua capacidade de articular estratégias de repressão psicológica o afastam da figura do vilão genérico e o aproximam de líderes autoritários reais. Seu domínio sobre Panem não se dá apenas pela violência, mas pelo controle absoluto da narrativa e pelo uso da propaganda como arma — uma abordagem que torna sua figura ainda mais assustadora e plausível.

Os Jogos em si evitam a armadilha da repetição ao transformar a arena em um mecanismo de tortura orquestrado, onde cada ameaça reflete a perversidade de um regime que joga com a vida de seus cidadãos sem qualquer escrúpulo. Se no primeiro filme a competição era um espetáculo brutal de sobrevivência, aqui ela se torna uma metáfora ainda mais sofisticada do poder absoluto exercido pelo Capitólio. A arena já não é apenas um campo de batalha, mas uma extensão da manipulação estatal, onde a vitória não se mede pela resistência física, mas pela capacidade de desafiar o sistema sem se tornar uma peça dele.

Jennifer Lawrence continua sendo um ponto de equilíbrio para a narrativa, embora tenha menos espaço para explorar a complexidade emocional de Katniss. Sua atuação, por vezes contida demais, funciona dentro do contexto, mas perde alguns momentos em que poderia atingir picos dramáticos mais marcantes. Em contrapartida, Josh Hutcherson oferece um Peeta mais astuto e estratégico, assumindo um papel mais ativo do que no primeiro filme. Finnick, com seu carisma e suas nuances, se destaca como um dos personagens mais cativantes da sequência.

Se há uma lacuna em “Em Chamas”, ela está na ausência de respiros emocionais mais orgânicos. A tensão crescente é eficiente, mas poderia ser ainda mais impactante se equilibrada com momentos de vulnerabilidade que humanizassem ainda mais os personagens. No entanto, essa pequena deficiência não compromete a grandeza do filme. Poucas sequências conseguem não apenas manter, mas elevar o padrão estabelecido pelo original. “Em Chamas” realiza essa proeza ao unir ação envolvente e crítica política contundente, reafirmando “Jogos Vorazes” como uma das franquias mais relevantes do cinema contemporâneo.

Filme: Jogos Vorazes: Em Chamas
Diretor: Francis Lawrence
Ano: 2013
Gênero: Ação/Aventura/Ficção Científica/Thriller
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★