Comédia elegante e sagaz com Jessica Biel e Colin Firth, na Max Divulgação / Ealing Studios

Comédia elegante e sagaz com Jessica Biel e Colin Firth, na Max

Jessica Biel construiu sua trajetória no cinema marcada por personagens que transitam entre a doçura e a força interior. No entanto, em “Bons Costumes”, ela se afasta da previsibilidade e assume um papel que desafia convenções, interpretando Larita, uma viúva americana que entra na aristocracia britânica dos anos 1920. Sob a direção de Stephan Elliott, a adaptação da peça de Noel Coward transforma a crítica social do dramaturgo em uma narrativa visualmente elegante e mordaz. O filme transcende a comédia de costumes convencional ao confrontar a modernidade do período entreguerras com a inflexibilidade de uma elite obcecada por aparências e tradições decadentes.

Coward sempre teve o dom de esmiuçar os paradoxos da alta sociedade, expondo suas hipocrisias com um sarcasmo tão refinado que lhe permitiu circular entre aqueles que satirizava. Enquanto contemporâneos como Oscar Wilde e George Bernard Shaw frequentemente encontravam resistência, Coward foi paradoxalmente absorvido pelo próprio meio que ridicularizava. Essa dinâmica permeia “Bons Costumes”, especialmente na relação entre Larita e a família Whittaker. O clã aristocrata representa um passado em colapso, resistindo a qualquer mudança, enquanto Larita simboliza um presente que avança sem pedir permissão. Seu casamento com John (Ben Barnes) não é apenas um ato de amor impulsivo, mas um catalisador para o embate entre duas eras.

No centro desse conflito, Kristin Scott Thomas interpreta Veronica Whittaker, matriarca implacável que encarna a tentativa desesperada de preservar um status em erosão. Sua presença dominante ofusca a passividade do marido, vivido por Colin Firth, um veterano de guerra marcado pelo desencanto. Ele, ao contrário da esposa, enxerga em Larita não uma adversária, mas uma alma afim, consciente da ilusão das convenções sociais. Esse jogo de alianças implícitas dá ao filme um subtexto de tensão constante, onde a comédia é apenas um verniz para um submundo de ressentimentos e manipulações.

O que diferencia “Bons Costumes” de outras comédias românticas britânicas é justamente sua recusa em se prender à previsibilidade do gênero. Ao contrário de sucessos como “Quatro Casamentos e um Funeral” ou “Simplesmente Amor”, que se apoiam em fórmulas narrativas reconfortantes, Elliott conduz a história com um humor refinado e sem concessões. O riso vem não da caricatura, mas da inteligência mordaz com que o roteiro revela as contradições da elite. Cenas como a icônica corrida de cachorros ou o jantar carregado de silêncio são exemplos do uso preciso do absurdo para desconstruir a pompa aristocrática.

O longa se apoia em uma direção de arte que equilibra a grandiosidade dos salões nobiliares com uma paleta cromática que dialoga com o conflito entre tradição e inovação. A fotografia ressalta a rigidez do mundo dos Whittaker, enquanto Larita surge quase como um elemento estrangeiro, quebrando a monotonia com figurinos que remetem à efervescência americana do período. 

Jessica Biel, por sua vez, encontra em Larita um papel que exige mais do que charme ou carisma; sua personagem precisa equilibrar irreverência e vulnerabilidade sem que nenhuma dessas facetas pareça forçada. A atriz entrega um desempenho contido, mas repleto de nuances, capturando tanto a confiança de quem desafia um sistema quanto a melancolia de quem percebe que talvez nunca seja plenamente aceita.

“Bons Costumes” não busca oferecer um desfecho confortável. A resolução da narrativa é menos sobre a superação de barreiras sociais e mais sobre a inevitável erosão dos velhos códigos. O filme não se limita a ser uma sátira elegante; ele é, acima de tudo, um lembrete de que algumas estruturas são tão sólidas quanto castelos de areia à beira da maré.

Filme: Bons Costumes
Diretor: Stephan Elliott
Ano: 2008
Gênero: Comédia/Romance
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★