Épico com Ralph Fiennes e Jessica Chastain que você ainda não assistiu, sob demanda no Prime Video Divulgação / House of Un-American Activities

Épico com Ralph Fiennes e Jessica Chastain que você ainda não assistiu, sob demanda no Prime Video

O perdão, enquanto conceito e experiência humana, é central na obra de John Michael McDonagh, mas, no contexto de seu filme “O Perdoado”, é abordado de uma maneira que raramente atinge o impacto emocional ou intelectual que se poderia esperar. O cineasta, que já demonstrou sua habilidade em explorar questões existenciais em obras anteriores como “Calvário” (2014) e “O Guarda” (2011), busca neste filme uma análise sobre o privilégio ocidental e a culpa coletiva. Baseado no romance de Lawrence Osborne, a trama segue o casal londrino David e Jo Henninger, cujos destinos se entrelaçam de forma trágica e reveladora em um contexto exótico no deserto marroquino. No entanto, a promessa de uma reflexão profunda sobre a moralidade e as diferenças culturais é, em grande parte, ofuscada por uma narrativa diluída e uma abordagem superficial dos temas propostos.

A premissa do filme tem potencial: um médico alcoólatra e sua esposa desiludida, ambos confrontados com as consequências de suas ações em uma cultura estrangeira, estabelecem um terreno fértil para discussões sobre classe social, culpa, e a distorção da realidade proporcionada pelo luxo. Entretanto, McDonagh parece se perder nos excessos de sua própria construção narrativa, mais preocupado em adornar o filme com cenários luxuosos e festas decadentes do que em explorar as camadas emocionais e culturais dos personagens. O conflito moral entre ocidentais e locais muçulmanos, central no romance de Osborne, é tratado de maneira superficial, sem o devido aprofundamento que justifique a magnitude do cenário e das tensões que ele sugere.

A festa no deserto, uma das principais cenas do filme, funciona como um microcosmo da desconexão entre os personagens principais e o mundo ao seu redor. No entanto, ao invés de se concentrar nas questões sociais e culturais que poderiam tornar a cena mais envolvente, McDonagh acaba fazendo dela uma superfície brilhante, uma distração do que deveria ser a reflexão central sobre a culpa e as consequências dos atos dos indivíduos. Em meio a esse frenesi de luxo, o subenredo sobre o relacionamento adúltero de Jo com Tom (Christopher Abbott) se apresenta como um elemento à parte, sem real conexão com os dilemas éticos propostos pela história, tornando-se um desvio desnecessário.

McDonagh tenta, ao longo do filme, construir uma crítica ao desperdício e à futilidade da classe rica, mas a abordagem falha em causar o impacto desejado. A narrativa, que oscila entre momentos de reflexão e frenesi social, não consegue construir uma tensão real, e o que poderia ser uma crítica ácida e incisiva às dinâmicas de poder e privilégio se torna, em muitos momentos, um comentário superficial sobre a decadência das elites. A tentativa de capturar a transformação de David, vivido por Ralph Fiennes, de um homem egoísta e autodestrutivo para alguém que enfrenta a responsabilidade pelos próprios erros, se perde em diálogos vazios e em cenas que não sustentam a profundidade do tema.

Embora Fiennes consiga dar nuances ao seu personagem, refletindo a evolução de um homem quebrado, a falta de uma jornada interna convincente faz com que o arco de seu personagem se sinta inacabado. A presença de Jessica Chastain, por outro lado, é subaproveitada. Sua personagem, Jo, poderia ser o elo emocional da narrativa, mas se reduz a uma figura estereotipada da mulher desiludida e sem rumo, incapaz de se expandir para além de uma representação rasa. Sua transformação, ou a falta dela, acaba tornando sua trajetória no filme irrelevante, uma figura ornamentada em meio ao caos sem nunca se tornar o centro emocional da história.

Além disso, o filme peca em sua representação das tensões culturais entre ocidentais e locais. Ao seguir predominantemente a perspectiva dos europeus, McDonagh perde a oportunidade de humanizar os personagens locais e oferecer uma visão mais matizada do conflito. O ressentimento das populações locais em relação aos estrangeiros, que poderia ser um ponto crucial de reflexão, é relegado a um plano de fundo, sem nunca ganhar a substância ou o protagonismo que mereceria. A falta de uma voz genuína para os personagens nativos torna o filme patronizador, tratando-os como simples figuras decorativas para os dilemas morais do casal protagonista, sem qualquer desenvolvimento real.

A cinematografia, que poderia ser o grande destaque da obra, se perde em uma grandiosidade vazia. As amplas vistas do deserto, com suas dunas e paisagens áridas, poderiam ter servido para refletir o vazio existencial dos personagens ou as implicações de suas escolhas, mas, em vez disso, acabam servindo apenas para embelezar uma história que carece de substância para justificar tamanha grandiosidade visual. A vastidão do deserto, longe de ser uma metáfora eficaz para os dilemas internos de David e Jo, se transforma em um elemento decorativo, uma tela de fundo que não tem o impacto necessário para acentuar as tensões dramáticas da narrativa.

“O Perdoado” falha em cumprir sua promessa de ser uma reflexão profunda e provocativa sobre as complexidades do privilégio, da culpa e das diferenças culturais. Embora o filme tenha momentos pontuais de tensão e performances memoráveis de Fiennes e Tahar Rahim (que interpreta o personagem local), ele não consegue se elevar a algo mais do que um estudo superficial de personagens que, apesar de sua complexidade teórica, nunca se tornam verdadeiramente reais. Ao perder o foco nas relações humanas e nas implicações morais de seus personagens, o filme se arrasta em uma narrativa previsível e sem o impacto emocional ou intelectual que se esperaria de uma história com tais ambições. Ao invés de provocar reflexão, “O Perdoado” se perde na busca pela grandiosidade, deixando de lado o que realmente importa: o exame da humanidade e de suas escolhas mais íntimas.

Filme: O Perdoado
Diretor: John Michael McDonagh
Ano: 2021
Gênero: Drama/Épico
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★