A dor sem propósito talvez seja o mais difícil dos flagelos humanos. O que se perde não é apenas um ente querido, mas a ilusão de que o mundo opera segundo alguma lógica moral. Quando o sofrimento alcança o absurdo, não é a ausência de respostas que inquieta — é a suspeita de que as perguntas talvez não façam sentido. A narrativa dirigida por Stuart Hazeldine parte dessa inquietação essencial para explorar, com um misto de reverência e simplismo, a tênue linha entre consolo e escapismo, provocando o espectador não pela contundência da reflexão, mas pela dubiedade entre fé autêntica e reconforto enlatado. Sob a superfície de uma jornada espiritual, o que se vislumbra é uma tentativa de reorganizar o caos com tintas emocionais vibrantes, ainda que sem grande precisão filosófica.
Em sua adaptação do romance de William P. Young, Hazeldine transforma a morada divina num espaço quase doméstico, familiar, onde a onipotência adquire os traços de uma acolhedora anfitriã — Octavia Spencer, sorridente, maternal, com biscoitos no forno e músicas suaves no fundo. Não há trovões nem trombetas, apenas a promessa de um Deus tangível, talvez demasiadamente adaptado aos afetos contemporâneos. Mas essa tentativa de suavização do sagrado colide com o peso dramático da perda que consome o protagonista. Mack, pai enlutado, vaga entre o trauma e a necessidade de um sentido que o salve da culpa. Sua dor, inicialmente insuportável e crua, é então diluída por um encontro que tenta reconstituir a fé com traços de um multiculturalismo divino que, embora bem-intencionado, resvala na alegoria simplificada.
Há, no entanto, uma tensão subjacente entre o simbolismo e o sentimentalismo que o filme nunca resolve. O que poderia ser uma meditação profunda sobre o livre-arbítrio e a inação divina frente ao mal torna-se, aos poucos, uma pedagogia da resignação. O roteiro desenha respostas fáceis para dilemas ancestrais, projetando uma espiritualidade customizada, compatível com a estética das livrarias de aeroporto e dos discursos motivacionais. Ao tentar explicar Deus como alguém que “não controla, mas caminha junto”, a narrativa evita os abismos teológicos e opta por atalhos dramáticos, onde a redenção se oferece como recompensa ao perdão pré-formatado. O sofrimento, aqui, não é interrogado; é reprogramado em função de uma paz interior padronizada.
Essa escolha enfraquece a potência dos símbolos. Jesus é jovem, sorridente, de feições orientais; o Espírito Santo, uma artista sensorial que manipula a luz e a natureza com suavidade mística. A diversidade encarnada na Trindade reflete um desejo de universalidade, mas a representação tropeça no risco de esvaziar o mistério em nome da acessibilidade. O didatismo com que as divindades explicam suas funções chega a soar desconcertante — não por serem compreensíveis, mas por perderem, na tentativa de se fazerem próximas, aquilo que poderia inquietar e desafiar. A espiritualidade se torna serviço, a fé vira performance. E, com isso, o que era para ser transcendência se transforma em terapia.
Ainda assim, há momentos de autenticidade emocional que escapam ao controle do roteiro. A lembrança da infância violenta de Mack, os gestos silenciosos de amor paterno interrompidos pelo horror, os breves instantes em que a dor irrompe sem maquiagem — tudo isso sugere que, sob o verniz da autoajuda, pulsa algo mais verdadeiro, mais denso. Mas são lampejos. A narrativa os recobre logo com o manto reconfortante da certeza, como se temesse a vulnerabilidade de deixar a dúvida em aberto. O filme então desiste da angústia como território fértil e opta pela reconciliação como destino inevitável.
É nessa escolha que reside seu limite. Ao colocar o sagrado a serviço da cura emocional, a narrativa escapa da provocação e mergulha na previsibilidade. O que poderia ser um enfrentamento corajoso do absurdo torna-se um enredo que conforta sem desafiar. E talvez seja exatamente isso o que muitos procuram: um Deus que sorria, que acolha sem julgar, que transforme a dor em aprendizagem — ainda que, para isso, precise abandonar a complexidade que o tornaria, de fato, digno de ser interrogado.
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