Nem sempre a redenção se manifesta em gestos grandiosos. Em certas ocasiões, ela se revela em atos aparentemente triviais, como pedalar através de um continente. Inspirado em uma história real, “Hard Miles”, filme dirigido por RJ Daniel Hanna, propõe um olhar sobre essa jornada inesperada: quatro jovens marginalizados aceitam o desafio de percorrer mais de 1.200 quilômetros até o Grand Canyon. Sob a liderança de Greg Townsend (Matthew Modine), professor e assistente social na Ridge View Academy, essa travessia ultrapassa o aspecto físico e se torna um rito de passagem para aqueles que, até então, não conheciam outra realidade que não a exclusão.
Townsend compreende a fragilidade emocional desses jovens. Cada um deles carrega cicatrizes invisíveis que moldaram suas atitudes destrutivas. Woolbright (Jahking Guillory) é um provocador incorrigível, sempre à beira de um confronto. Smink (Jackson Kelly) trava uma batalha silenciosa contra transtornos alimentares. Os demais enfrentam dilemas que transcendem a delinquência comum. Mas o próprio Townsend também lida com demônios pessoais: um pai gravemente doente, um irmão atrás das grades e problemas de saúde que ele insiste em ignorar. Em meio a esse contexto, a proposta da jornada ciclística não surge como um simples desafio esportivo, mas como uma derradeira tentativa de reconstrução.
O projeto, inicialmente desacreditado até por sua colega Haddie (Cynthia Kaye McWilliams), torna-se a última carta na manga para impedir o fechamento da instituição. Antes da partida, os jovens são incumbidos de construir suas próprias bicicletas, uma etapa que simboliza a necessidade de assumir o controle sobre suas próprias trajetórias. As dificuldades não tardam a surgir: conflitos explodem, resistências se manifestam e os fantasmas do passado insistem em atormentá-los. No entanto, ao longo da jornada, eles descobrem algo inédito: um senso de pertencimento e interdependência que jamais experimentaram.
O filme sabe explorar o impacto das paisagens monumentais que levam ao Grand Canyon, utilizando o contraste entre a vastidão geográfica e a clausura psicológica dos protagonistas. Mas a narrativa gira em torno das pequenas vitórias individuais: a superação do cansaço, a resiliência diante dos desafios e os instantes de vulnerabilidade compartilhada. A luta real não é contra a distância, mas contra as limitações que cada um carrega dentro de si.
A participação de Sean Astin, ainda que breve, adiciona uma camada de familiaridade ao filme, especialmente para aqueles que acompanham sua trajetória. Seu personagem, Speedy, um excêntrico lojista de bicicletas, desempenha um papel crucial ao fornecer os meios para que a viagem se concretize. No entanto, é Modine quem sustenta a trama, oferecendo uma interpretação contida, mas carregada de humanidade. Seu Townsend é um homem falho, movido por um misto de esperança e desespero, que encontra no sucesso desses garotos a redenção que ele próprio necessita.
Embora alguns clichês narrativos sejam inevitáveis dentro da proposta, o filme evita escorregar na artificialidade ao se apoiar na autenticidade de seus personagens. O que se vê é uma história sobre conexões inesperadas, sobre o aprendizado que se manifesta nos momentos de exaustão e sobre a descoberta de que avançar, ainda que aos poucos, é o que realmente importa. Townsend ensina aos jovens que a jornada não é definida pelas quedas, mas pela força de continuar pedalando. E essa é uma lição que ressoa muito além das estradas que percorrem.
★★★★★★★★★★