Mulheres podem se expressar da forma como bem entenderem, desde que seja aquela imaginada, e, o principal, aceita pelos homens. Na Madri de 1871, uma mulher simples, mas instruída — algo incomum para uma mulher, mesmo numa cidade cosmopolita da Europa naquele tempo —, subverte as convenções ao tornar-se famosa por sua reputação de ajudar as moças da aristocracia a arranjar casamento com homens respeitáveis, de famílias tradicionais, endinheirados, nem tão velhos nem tão jovens e que, às vezes, até manifestam por elas alguma consideração. “A Dama de Companhia”, Gema R. Neira e María José Rustarazoconcentram-se nas artimanhas de uma senhorita de 27 anos que aos poucos enfronha-se no seio da elite espanhola e garante mais alguns meses de subsistência no momento em que é admitida na casa de um pai viúvo de três filhas donzelas, ao melhor estilo dos romances que entretinham leitoras entediadas e de quando em quando experimentam uma instigadora revisita. Colaboradora da Netflix há quase uma década, Neira emplacou projetos importantes para a plataforma, a exemplo de “As Telefonistas” (2017-2020), e agora continua a fustigar certas chagas do gênero humano ao sacar de uma anti-heroína corajosa, mas ingênua, esgueirando-se pelos salões cheios de arapucas nas quais ela pode ficar detida para sempre.
Elena Bianda cai do azul na casa de dom Pedro, um homem poderoso, mas indulgente, e suas filhas, Carlota, Cristina e Sara, nenhuma delas tão interessada assim em assumir as inúmeras responsabilidades de uma senhora casada. Claudia Pinto e Carlos Sedes, os diretores, conduzem a ação pelos cenários coloridos elaborados por Sara Natividad, mais uma demonstração do fausto que edulcora a lugubridade daquela família, malgrado nem todos estejam dispostos a sacrificar sua felicidade em nome das vãs regras sociais que imperavam durante o período histórico que compreende do fim da Primeira República Espanhola (1873-1874) à proclamação da Segunda República, em 14 de abril de 1931. Natividad cercou-se de uma equipe numerosa e atenta, que assim mesmo levou três meses para projetar o estúdio e mais outros tantos para construí-lo, esmero que se espelha no trabalho do elenco.
Na pele de Elena, Nadia de Santiago despe a personagem da aura de impavidez e empresta-lhe contornos de humanidade, mormente depois que pousa os olhos sobre Santiago, autorizado a fazer a corte a uma das filhas de dom Pedro, mas que se interessa pela criada. A dama de companhia expressa sua erudição mencionando “Moby Dick” (1851), o clássico de Herman Melville (1819-1891), atributo de que o refinado Santiago logo fica sabendo, e a partir daí, Neira e Rustarazo preparam as guinadas que levam Elena e seu improvável pretendente a se atrair e se rejeitar, com Álvaro Mel compondo com a protagonista os lances que sustentam narrativas assim. Caso Elena e Santiago caiam nas graças do espectador, a provável segunda temporada esclarecerá o porquê dessa resistência toda.Mas quem conhece do assunto decerto arrisca um final feliz.
Série: A Dama de Companhia
Criação: Gema R. Neira e María José Rustarazo
Direção: Claudia Pinto e Carlos Sedes
Ano: 2025
Gêneros: Comédia/Romance
Nota: 8/10