Sob uma fachada estilizada por néons fluorescentes e ritmos noturnos, esconde-se um ensaio sombrio sobre desigualdade, juventude precarizada e a sedução da ruína como única rota possível de mobilidade. “As Passageiras”, nas mãos de Adam Randall, não se contenta em revisitar arquétipos do horror urbano: ele os esgarça até que revelem o avesso de uma América em que o sonho se desfez há muito, e a única promessa que resta é a do colapso. Se a premissa soa familiar — um jovem latino tentando escapar das armadilhas do subemprego e da exclusão —, a construção visual de Eben Bolter adiciona camadas: não para suavizar a tragédia de Benny, mas para iluminá-la com o tipo de luz que, ao invés de revelar, entorpece.
O roteiro de Brent Dillon opta por tratar os dilemas reais de forma alegórica, revestindo-os com os códigos do fantástico: vampiras que se alimentam de corpos vulneráveis substituem os mecanismos mais corriqueiros de exploração social. Mas é quando Benny, interpretado com precisão contida por Jorge Lendeborg Jr., tenta se aproximar da estabilidade por meio do meio-irmão Jay — motorista de aplicativo que transita entre os dois mundos — que o filme realmente começa a tensionar o que há de grotesco na promessa meritocrática. Há um cinismo calculado no modo como o protagonista busca mobilidade: não por esforço próprio, mas por acesso a corpos e rotas que não lhe pertencem.
Ao permitir que Blaire e Zoe entrem no carro, o filme abandona qualquer ilusão de realismo e abraça uma lógica perversa de simbiose: o parasitismo não é um desvio, mas a engrenagem principal do sistema. Blaire, a mais ingênua, serve como ponto de contraste com Zoe, que opera com a precisão de quem há séculos entende o que é predar — e sobrevive por isso. Interpretadas por Debby Ryan e Lucy Fry, elas são menos personagens que metáforas vivas do consumo desenfreado da juventude subalternizada. A escolha do humor — por vezes sombrio, por vezes apenas grotesco — impede que o filme se leve a sério demais, mas também reforça a sensação de que toda tentativa de resistência já foi neutralizada.
Há, no entanto, uma melancolia persistente que atravessa o arco de Benny. Sua passividade diante da violência, sua entrega sem muita hesitação àquilo que promete um atalho para a sobrevivência, revela o esgotamento de qualquer horizonte ético. Ele não está mais tentando escapar; está negociando os termos de sua rendição. A performance de Lendeborg Jr., apoiada por uma direção que sabe quando ceder espaço ao silêncio, transforma a trajetória do personagem em algo mais denso do que o gênero costuma permitir: não é só a queda de um anti-herói, é o retrato de uma juventude treinada para se entregar à própria aniquilação com um sorriso contido.
No fundo, o filme aposta que o absurdo pode revelar mais do que a realidade crua: em um mundo onde a exclusão é estruturada, é preciso vestir o horror com dentes afiados e festas privadas para que o espectador se incomode o suficiente. A noite que engole Benny é a mesma que celebra a agonia dos seus pares — e talvez seja esse o gesto mais ousado do longa: ao invés de redimir o protagonista, ele o oferece ao banquete, como tantos outros que vieram antes, e como muitos ainda virão.
★★★★★★★★★★