Uma comédia romântica irresistível na Netflix que vai fazer você sorrir do começo ao fim Divulgação / Netflix

Uma comédia romântica irresistível na Netflix que vai fazer você sorrir do começo ao fim

Na superfície, ele parece ter finalmente encontrado paz. Mas basta olhar com um pouco mais de cuidado para perceber que aquele mar translúcido, aquele sol permanente e aquele isolamento cuidadosamente cultivado nada mais são do que a camuflagem de uma vida suspensa. John Allman — ícone decadente da música, carregado de feridas e silêncio — não fugiu para viver, mas para parar de doer. E é justamente nesse território ambíguo, onde a beleza não mascara a desesperança, que “Mergulhando no Amor” se estabelece como mais que uma comédia romântica idílica: trata-se de uma disfarçada dissecação da alma em exílio. Stelana Kliris conduz essa travessia com uma sensibilidade que não cede ao piegas, e Harry Connick Jr., em sua performance mais contida, traduz com rigor esse homem em colapso que ainda resiste a apagar a última chama.

Nada no filme é gratuito, muito menos a geografia emocional de seus personagens. A ilha mediterrânea, que poderia servir como refúgio hedonista ou metáfora fácil da solidão, torna-se um palco que obriga confrontos. Allman, o homem que um dia escreveu hinos para multidões, agora depende da coragem de enfrentar duas presenças do passado — uma mulher que carrega antigas fraturas e uma filha cuja existência por si só altera tudo. O filme se esquiva das rotas previsíveis. Não há redenção garantida, não há reconciliação melosa. Mas há movimento, e é esse deslocamento — hesitante, fraturado, honesto — que o torna um ensaio delicado sobre a reconstrução dos vínculos, inclusive aqueles que jamais chegaram a existir de fato.

Aos poucos, percebe-se que o filme opera numa chave de contenção que desarma e convida. Ele evita atalhos sentimentais, apostando na força dos silêncios, nos olhares que sustentam mais que qualquer diálogo. Whitney, como a filha que resiste à idealização, contracena com Connick Jr. com admirável precisão — seus duetos musicais, além de funcionarem como válvulas dramáticas, reiteram a tensão afetuosa que define os encontros entre dois estranhos unidos pelo sangue. Aqui, cantar é menos exibição e mais tentativa de tradução: de mágoas, de esperanças, de tudo aquilo que palavras isoladas não conseguem carregar.

Ao escolher seguir personagens quebrados sem tentar colá-los apressadamente, Kliris reafirma uma visão madura sobre o que é viver quando já se perdeu quase tudo. E esse “quase” não é detalhe. É nesse resíduo de possibilidade, nesse fiapo de futuro, que repousa a potência do filme. Não como quem entrega respostas, mas como quem arrisca a perguntar: o que nos resta quando os mitos que criamos — sobre nós mesmos, sobre os outros — finalmente desmoronam? A resposta não é otimista nem trágica. É apenas humana.

E por ser tão humana, a jornada de Allman repercute em qualquer um que já tenha sentido o peso de suas próprias ruínas. Não há glamour no fracasso, tampouco heroísmo no recomeço. O que há é um lento, incômodo e às vezes bonito aprendizado: o de que viver é, na maioria das vezes, uma negociação constante entre o que já fomos, o que tentamos esquecer e aquilo que ainda ousamos desejar. E isso, mais do que qualquer epifania, talvez seja o que nos impede de cair de vez do penhasco onde passamos tanto tempo encostados.

Filme: Mergulhando no Amor
Diretor: Stelana Kliris
Ano: 2024
Gênero: Comédia/Romance
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★