Ambientada na Madrid vibrante do final do século 19, “A Dama de Companhia” ressignifica o papel de uma figura tradicionalmente secundária, colocando-a no centro de uma trama densa e repleta de nuances. Elena Bianda (Nadia de Santiago) construiu sua reputação como uma espécie de arquiteta dos bons costumes, assegurando que jovens de famílias influentes chegassem ao casamento sem incidentes. Contudo, sua profissão é transitória por natureza: a cada enlace bem-sucedido, ela precisa recomeçar em outra casa. Quando surge a chance de trabalhar para os Mencía, uma das famílias mais proeminentes da elite madrilenha, Elena enxerga não apenas a promessa de estabilidade, mas um desafio que testará sua capacidade de navegar entre regras sociais rígidas e impulsos incontroláveis.
A família liderada pelo recém-viúvo Pedro Mencía (Tristán Ulloa) abriga três filhas cujas personalidades contrastantes ameaçam os preceitos que Elena se habituou a reforçar. Cristina (Isa Montalbán), a primogênita impecável aos olhos da sociedade, esconde desejos que desafiam o que dela se espera. Sara (Zoe Bonafonte), ávida leitora e aspirante a médica, não aceita que seu destino seja traçado por convenções arbitrárias. Já Carlota (Iratxe Emparan), a mais jovem, encontra fascínio no sobrenatural e nas sombras do desconhecido. A chegada de Elena não apenas inaugura um período de transformações para as meninas, mas também a coloca diante de Santiago (Álvaro Mel), o enigmático afilhado de Don Pedro. O envolvimento inesperado entre os dois sugere que Elena terá que lidar não apenas com as inquietações alheias, mas também com as próprias contradições.
A série encontra sua identidade ao equilibrar um rigor estético primoroso com escolhas narrativas que desafiam expectativas. A fotografia em tons delicados e os figurinos exuberantes evocam o charme de produções de época, mas “A Dama de Companhia” não se contenta com a reconstituição fiel do passado. A trilha sonora surpreende ao mesclar composições clássicas com canções contemporâneas, criando um efeito anacrônico que reforça o frescor da narrativa. A quebra da quarta parede, que permite que Elena dialogue diretamente com o público, injeta dinamismo à trama, conferindo um tom espirituoso que se afasta do academicismo típico do gênero. No entanto, esse recurso metalinguístico por vezes se aproxima do excesso, podendo diluir a imersão em determinados momentos.
A história gira em torno da relação entre Elena e as irmãs Mencía. Ao contrário de muitas narrativas históricas em que jovens mulheres aguardam passivamente por um desfecho pré-determinado, aqui elas reivindicam o direito de moldar o próprio futuro. Cristina surpreende ao se ver no centro de um escândalo que ameaça a reputação da família. Sara, em sua obstinação em estudar medicina, confronta as limitações impostas a mulheres de sua posição. Carlota, com sua natureza imprevisível, rejeita qualquer tentativa de enquadramento. Para Elena, que construiu sua trajetória à base da renúncia, lidar com essas personalidades em ebulição significa, de certa forma, encarar os próprios fantasmas. Dessa interação surge um subtexto feminista que enriquece a série, permitindo-lhe transcender os clichês do romance histórico e posicionar-se como uma narrativa de resistência.
Apesar de seus acertos, “A Dama de Companhia” não escapa a comparações com “Bridgerton”, especialmente no modo como incorpora elementos modernos a um contexto histórico. O apelo visual estilizado e as referências pop podem dividir opiniões, e algumas tramas secundárias seguem caminhos previsíveis. Ainda assim, a atuação de Nadia de Santiago confere camadas à protagonista, equilibrando vulnerabilidade e firmeza de maneira cativante. O elenco de apoio também se destaca, sobretudo Iratxe Emparan, cuja interpretação de Carlota adiciona uma energia imprevisível à história.
O desfecho da primeira temporada sugere que Elena ainda tem muito a enfrentar. A série parece disposta a aprofundar suas discussões sobre autonomia feminina e os desafios de personagens à margem da sociedade da época. Se a produção souber se desvencilhar das comparações e investir em tramas que superem a estética, “A Dama de Companhia” pode se tornar um marco dentro do gênero. Até lá, segue como uma opção envolvente para aqueles que apreciam romances históricos, mas que esperam algo além da reconstituição convencional.
★★★★★★★★★★