Chegou à Netflix o filme sobre Claudinho & Buchecha: uma história emocionante que vai fazer você chorar, sorrir e cantar junto Divulgação / Vitrine Filmes

Chegou à Netflix o filme sobre Claudinho & Buchecha: uma história emocionante que vai fazer você chorar, sorrir e cantar junto

Sob o título de uma balada que embalou multidões nos anos 1990, esconde-se algo mais áspero do que a nostalgia poderia supor. O que Eduardo Albergaria concebe em seu filme não se limita à evocação sentimental de um fenômeno pop; trata-se, antes, de uma tentativa de escavar o que restou das pegadas de dois jovens cujo sucesso nasceu no vácuo das ausências e das humilhações silenciosas. Não há concessões em sua abordagem, nem afagos ao mito — mas um esforço real de captar o que de fato se inscrevia na trajetória de Claudinho & Buchecha além das rimas contagiantes. O resultado é menos um inventário de conquistas do que um retrato vulnerável, marcado por perdas precoces, paternidades estilhaçadas e um Brasil onde a alegria é muitas vezes apenas um intervalo entre violências.

Ao revisitar a explosão do funk melody nas periferias cariocas dos anos 1990, o longa escapa da armadilha das cinebiografias cronológicas e transforma a escalada dos protagonistas em matéria de tensão emocional e crítica social. A narrativa se constrói a partir de dentro, com Juan Paiva assumindo a perspectiva de Buchecha como quem tenta recompor, pedaço por pedaço, uma memória esfarelada pelo tempo e pela dor. É ele quem nos conduz pelas lembranças que alternam glória e desalento, enquanto o roteiro se recusa a romantizar a precariedade, destacando as estratégias de sobrevivência de quem aprendeu a vender sonhos embalados por batidas dançantes e refrões pegajosos. A ascensão ao estrelato se revela menos como uma curva ascendente e mais como um ziguezague permanente entre a dureza da vida real e o alívio fugaz dos palcos.

A construção visual do filme reforça essa ambiguidade, alternando imagens de arquivo que escancaram o êxtase da fama com reencenações que não poupam a aspereza da intimidade. Os programas de auditório, as plateias ensandecidas, os troféus — tudo isso aparece como ecos de um Brasil sedento por símbolos de sucesso, ainda que pouco disposto a enxergar o que se exige para atingi-lo. A relação entre Buchecha e o pai, apresentada sem subterfúgios, é um dos momentos mais incômodos e reveladores da narrativa. O alcoolismo, a violência doméstica, a ausência afetiva — temas que, ao serem inseridos com rigor dramático e sem sentimentalismo, deslocam o foco da história para além do palco, ampliando a compreensão de que o preço do estrelato, por vezes, ultrapassa em muito suas recompensas.

Claudinho, vivido por Lucas Penteado, não é transformado em mártir ou lenda. Sua imagem é humana, marcada por inquietações e silêncios que, paradoxalmente, o aproximam mais do público que o consagrou. A amizade com Buchecha — afetuosa, imperfeita, cúmplice — é tratada como núcleo afetivo do filme, mas nunca como zona de conforto. A montagem não mascara os desacertos nem dribla os conflitos. O espectador é exposto a momentos de tensão genuína, de desalento, de riso nervoso. O filme quer incomodar, e nesse desejo encontra sua maior honestidade. Os bastidores do sucesso ganham, assim, uma textura quase documental, uma espécie de contracanto ao mito da superação fácil.

A recusa em representar o acidente de Claudinho em detalhes revela uma escolha ética rara nesse tipo de narrativa. O luto não é encenado em função do espetáculo, mas sim da interioridade. A dor, aqui, não grita — implode. O olhar da câmera repousa sobre Buchecha no exato instante em que o mundo perde qualquer lógica. Não há trilha melodramática, nem discursos exaltados. Há apenas um corpo estagnado, um rosto esvaziado, e o silêncio intransponível que se instala quando tudo aquilo que parecia certo é brutalmente interrompido. É nessa contenção que o filme atinge seu ápice, recusando o sentimentalismo fácil para mergulhar numa dor que não se acomoda em fórmulas.

O que se tem não é uma elegia nem uma reparação. É um exercício de escuta — da história que quase se perdeu, das entrelinhas que nunca ganharam manchetes, das emoções que não cabem nas cifras da indústria fonográfica. O título, mais do que evocativo, se transforma em ironia amarga: “Nosso Sonho” é menos sobre o que se realizou e mais sobre o que foi interrompido, dilacerado, soterrado por uma realidade impiedosa. O filme, assim, se inscreve não como homenagem, mas como alerta: nem toda alegria que explode em refrão consegue apagar as feridas que a antecedem.

Filme: Nosso Sonho
Diretor: Eduardo Albergaria
Ano: 2023
Gênero: Biografia/Comédia/Musical
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★