Entre as muitas camadas que tornam “A Sociedade Literária e a Torta de Casca de Batata” um filme envolvente, está sua habilidade em harmonizar o peso da história com a leveza das conexões humanas. Em um cenário raramente abordado pelo cinema, a narrativa se desenrola nas Ilhas do Canal, palco de uma ocupação nazista que deixou cicatrizes profundas. A trama equilibra o drama da guerra com a beleza das relações construídas na adversidade, dando às memórias de um tempo sombrio uma textura emocional que ressoa para além do seu período histórico.
A protagonista, Juliet Ashton, é como um retrato sutil da inquietude pós-guerra. Escritora bem-sucedida em Londres, cercada pelo glamour da sociedade britânica e cortejada por um pretendente financeiramente impecável, ela sente que há algo ausente em sua vida. Uma carta inesperada de Dawsey Adams, um fazendeiro de Guernsey e integrante de um clube literário de nome peculiar, desperta nela uma curiosidade que a conduz à ilha. À medida que se insere na rotina dos habitantes, Juliet se depara com um passado doloroso, onde a literatura foi tanto um refúgio quanto um ato de desafio contra a ocupação alemã. O roteiro, longe de se limitar a uma história de amor ou de busca pessoal, constrói um mosaico de dores, resiliência e segredos que definem cada morador daquela comunidade.
A reconstituição histórica é um dos pilares visuais do filme. O contraste entre a austeridade de Guernsey e a efervescência de Londres é captado em detalhes que vão além dos figurinos e cenários, manifestando-se na própria atmosfera das cenas. A fotografia mostra a rusticidade da ilha, sublinhando não apenas seu encanto natural, mas também as marcas deixadas pelo conflito. Sob a direção de Mike Newell, o filme evita tanto o sentimentalismo exagerado quanto a crueza excessiva, sustentando-se num equilíbrio narrativo que permite que o espectador se envolva sem se sentir manipulado.
O elenco, liderado por Lily James, sustenta a carga emocional da história com atuações que evitam o exagero e encontram força na sutileza. Sua interação com Michiel Huisman transmite um romance orgânico, que cresce na interseção entre amizade e admiração. Paralelamente, Penelope Wilton e Tom Courtenay adicionam profundidade ao longa, com performances que ressoam a dor e a esperança de uma comunidade marcada por ausências. Se há um ponto de fragilidade, ele está na superficialidade de certos personagens secundários, como o noivo de Juliet, cuja presença é meramente funcional para a trama.
Ainda que o final não seja surpreendente em termos narrativos, o impacto emocional do filme está na maneira como ele retrata o papel das histórias na sobrevivência humana. “A Sociedade Literária e a Torta de Casca de Batata” não se limita a rememorar os horrores da guerra ou a celebrar um romance em tempos difíceis; ele investiga como a literatura se torna um elo entre o passado e o presente, um testemunho da capacidade de resistência e renovação. É, acima de tudo, um tributo às narrativas que nos ajudam a entender quem fomos, quem somos e quem poderemos nos tornar.
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