Desde que “O Rei Leão” foi reimaginado em CGI, o debate sobre a validade dessa abordagem se intensificou. Para alguns, a técnica hiper-realista representava um triunfo visual; para outros, o sacrifício da expressividade da animação tradicional esvaziava a força emocional da narrativa. “Mufasa: O Rei Leão” chega, então, como uma tentativa de reposicionar a franquia, mitigando as críticas ao resgatar elementos que tornaram a história original memorável. Embora preso a certas limitações estruturais das prequelas, o filme apresenta um comprometimento autêntico com a mitologia de “O Rei Leão”, trazendo substância à jornada do protagonista.
O principal diferencial do longa está na direção de Barry Jenkins, que se distancia da rigidez de Jon Favreau ao introduzir maior liberdade estética. O realismo, ainda presente, se torna mais maleável, permitindo um trabalho fotográfico mais inventivo, composições mais ousadas e um dinamismo visual que faltava ao remake de 2019. O CGI, antes criticado por restringir a expressividade dos personagens, agora possibilita sutilezas faciais que acrescentam camadas à interpretação. A cinematografia explora enquadramentos amplos e detalhados, conferindo grandiosidade à jornada de Mufasa sem cair no hermetismo visual que distanciava a audiência na versão anterior.
As performances vocais reforçam essa evolução. Aaron Pierre dá a Mufasa uma progressão palpável, transitando da insegurança inicial para a imponência que definirá seu legado. Kelvin Harrison Jr. adota uma interpretação vocal que remete mais à teatralidade de Jeremy Irons do que à sobriedade de Chiwetel Ejiofor, conferindo ao antagonista uma presença mais ameaçadora. Algumas entonações poderiam ser melhor lapidadas para evitar momentos de desconexão emocional, mas essas falhas são pontuais e não comprometem o conjunto da atuação.
Se a direção e as performances impulsionam a narrativa, a trilha sonora de Lin-Manuel Miranda surge como um ponto fraco. Suas composições, ainda que competentes, carecem da grandiosidade melódica que transformou as canções de Elton John em marcos culturais. A trilha de Dave Metzger, por sua vez, funciona melhor quando referencia diretamente as criações de Hans Zimmer, mas não exibe o mesmo peso emocional de seu predecessor. Apesar disso, a deficiência musical não se sobrepõe às qualidades narrativas e visuais, permitindo que o filme mantenha sua identidade e seu apelo.
A previsibilidade, inerente a prequelas, também se faz presente, mas o roteiro evita distrações desnecessárias e personagens supérfluos. A construção da trajetória de Mufasa segue um arco coerente, privilegiando a profundidade emocional em vez de tentar justificar sua existência com reviravoltas artificiais. Essa escolha resulta em um longa que, mesmo sem reinventar a fórmula, se sustenta pelo respeito ao material original e pela capacidade de adicionar camadas ao mito do protagonista.
No balanço geral, “Mufasa: O Rei Leão” é uma evolução dentro da proposta fotorrealista da Disney. Não alcança o impacto da animação de 1994, mas supera seu antecessor imediato ao injetar energia, expressividade e intenção narrativa. Seu compromisso é claro: equilibrar fidelidade à mitologia original e uma abordagem visual que favorece a imersão, sem reduzir a história a um mero exercício de técnica. Longe de ser apenas um produto comercial, o longa demonstra que há, sim, espaço para revisitar um universo consagrado sem esvaziá-lo de significado.
★★★★★★★★★★