Toda dor é verdadeira — desde que seja a nossa. Estamos todos à procura de nosso lugar no mundo, a maioria com todos os atravancos, dando com a cara na porta e quebrando a cabeça até serem aceitos ou se persuadirem de que alguma coisa definitivamente não se encaixa e é mister continuar essa busca noutra parte. Frequentemente, chega-se a tal entendimento não sem muita dor e depois de um tempo impressionantemente longo, mas há as situações em que, mantidos o pesar e a angústia, o tempo colabora e, como se fosse uma tormenta de dimensões sobrenaturais que cede como que por encanto ao cabo de horas e horas de terror, alguma solução começa a se desenhar no horizonte.
Exercitando uma confiança na vida que beira o desespero, deixamo-nos guiar por esses sinais, convictos de que os dias de busca e de dúvida estão em seus estertores e, então, merecidamente, virá não o final feliz dos contos de fadas, mas um recomeço, árduo, feito todo recomeço, mas cheio de possibilidades. Benjamin Kaplan vive um dia por vez e ao longo da hora e meia de “A Verdadeira Dor” o público tem a certeza de que ele não é tão chato assim. Numa promissora estreia como diretor e roteirista, Jesse Eisenberg diverte, emociona e arranca lágrimas e reflexões de quem assiste ao esmiuçar uma das chagas da humanidade sob o ponto de vista bastante íntimo e perturbador de dois primos, personalidades opostas que se complementam.
A jornada do homem é marcada desde sempre por guerras, destruição, subjugação de civilizações mais frágeis por povos hegemonicamente superiores, morte, terror. Logo, nada mais natural — e necessário — que nos raros momentos em que alguma harmonia se faz presente, esmeremo-nos por achar a arte, a verdadeira arte, onde quer que ela esteja, inclusive (ou principalmente) na feiura, no aviltamento maior a que seres humanos podem ser sujeitados. A prudência recomenda poupar a alegria e não cantar vitória antes de todas as pontas muito bem-amarradas. Todavia, quando o peito se enche daquele sentimento sem nome, mas que qualquer um é capaz de identificar tão logo o sinta, a vontade de se dizer feliz é simplesmente incontrolável. Benji parece exalar um saudosismo pelo que não viveu desde que perdeu a avó, Dory, uma sobrevivente do Holocausto que escapou de Lublin, no leste da Polônia, e imigrou para a América, onde ele e David, nasceram e vivem. Ele tira da cartola uma viagem para a terra natal da avó, recém-falecida, e o dispositivo mais engenhoso de “A Verdadeira Dor” é fazer o espectador viajar com ele, um grupo de outros turistas e, claro, David, que passa por alguns bons apuros ao retomar o contato com o temperamento solar e invasivo do primo mais velho e desajustado.
Apesar da pletora de cenas tragicômicas, dominadas com técnica e intuição por Culkin, Eisenberg tem, na virada do segundo para o terceiro ato, um grande momento, ao fazer uma revelação sobre o extático Benji. Culkin venceu o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante 2025 pelo papel de Benjamin Kaplan — não, não era para tanto; Jeremy Strong, em “O Aprendiz” (2024), de Ali Abbasi, estava melhor —, e Jesse Eisenberg foi indicado ao prêmio de Melhor Roteiro Original, mas perdeu para Sean S. Baker, por “Anora” (2024), dirigido pelo próprio Baker, outro dos grandes absurdos patrocinados pelos velhinhos da Academia. Mas Eisenberg, como “A Verdadeira Dor” deixa claro, chega lá.
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