Thriller de ação e suspense  — se você não quiser perder nada desse mistério, não pisque! Na Netflix Divulgação / Yannis Drakoulidis

Thriller de ação e suspense — se você não quiser perder nada desse mistério, não pisque! Na Netflix

Entre o artifício cinematográfico e a tentativa de capturar um realismo quase cru, certos filmes encontram-se em uma zona de interseção incômoda, oscilando entre a imersão total do espectador e uma experiência que desafia sua paciência. “Beckett” se insere precisamente nesse terreno, se estruturando como um thriller político de sobrevivência, mas subvertendo, em vários momentos, as convenções do gênero. O longa acompanha um homem comum, interpretado por John David Washington, que se torna alvo de uma conspiração obscura ao sofrer um acidente em um país estrangeiro. O que poderia se desdobrar como um relato angustiante sobre paranoia e vulnerabilidade, porém, acaba se convertendo em uma experiência desigual, que ora fascina pela sua atmosfera, ora frustra pela falta de dinamismo narrativo.

A escolha da Grécia como pano de fundo é um dos aspectos mais marcantes do filme, agregando um senso de autenticidade que se alinha à proposta realista. As paisagens, capturadas sem a estilização convencional dos thrillers hollywoodianos, funcionam não apenas como cenário, mas como um elemento narrativo por si só. A geografia do país se transforma em um labirinto hostil para o protagonista, e a fotografia adota uma abordagem quase documental, reforçando a sensação de urgência e desorientação. No entanto, essa opção estética também impõe um dilema: a busca pelo naturalismo às vezes se sobrepõe à necessidade de criar uma experiência cinematográfica envolvente, tornando algumas sequências mais prosaicas do que tensas.

Esse realismo é ampliado pela decisão de não traduzir para o público os diálogos em grego, colocando o espectador na mesma condição de alienação do protagonista. Essa escolha, por mais que contribua para a imersão, também reforça a sensação de que “Beckett” está menos preocupado em oferecer um thriller convencional e mais interessado em transmitir a vulnerabilidade de um homem solitário, deslocado e impotente diante de forças que ele mal compreende.

O problema, porém, é que essa abordagem não encontra um contraponto narrativo suficientemente envolvente para manter o filme sempre instigante. O ritmo que inicialmente captura a atenção com sequências de perseguição bem coreografadas acaba perdendo fôlego na segunda metade, resultando em um desenvolvimento que se arrasta em momentos cruciais. A repetição de situações semelhantes faz com que a tensão inicial se dissipe aos poucos, diminuindo o impacto da história e levando o espectador a uma imersão que, em vez de angustiante, torna-se quase exaustiva.

A fraqueza dos antagonistas é outro elemento que compromete a força do filme. Para que a atmosfera de conspiração funcione, é essencial que a ameaça pareça palpável e progressivamente mais intensa, mas os perseguidores de Beckett são inconsistentes, alternando entre letalidade e ineficiência de forma pouco convincente. O roteiro também falha em aprofundar os aspectos políticos sugeridos ao longo da trama, deixando as motivações dos vilões vagas e sem a robustez necessária para sustentar a história. Ao se abster de desenvolver esse contexto com mais densidade, o filme perde a chance de se estabelecer como um thriller político mais impactante e memorável.

Ainda assim, há qualidades na produção. John David Washington oferece uma interpretação convincente dentro das limitações do roteiro, encarnando um protagonista que se distancia do arquétipo tradicional do herói de ação. Seu Beckett não é um combatente habilidoso, mas um homem comum que sobrevive mais por sorte e circunstâncias fortuitas do que por qualquer domínio técnico. Essa vulnerabilidade gera uma identificação imediata, ainda que o filme não explore todo o seu potencial.

“Beckett” é uma experiência curiosa, mas irregular. O longa acerta ao construir uma atmosfera de inquietação e deslocamento, mas se perde ao não equilibrar sua proposta realista com um desenvolvimento narrativo mais dinâmico. Para alguns, essa abordagem pode ser uma escolha ousada e instigante; para outros, uma tentativa frustrada de subverter o gênero sem oferecer uma alternativa mais impactante. No limite, “Beckett” se situa entre a intenção de ser um thriller político e o desejo de se afastar das convenções do gênero, resultando em um filme que, apesar de seus acertos, não consegue sustentar a promessa de tensão e envolvimento que estabelece no início.

Filme: Beckett
Diretor: Ferdinando Cito Filomarino
Ano: 2021
Gênero: Ação/Crime/Drama/Thriller
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★